O solo do meu coração é infértil ao plantio de flores. Desde a primeira vez que tentei plantar — e eu tinha uns 10 anos —, todas elas sequer morriam: nem vingavam. Gosto muito dessas branquinhas: margaridas, mosquitinhos, camomila. Por serem as minhas favoritas, sempre as escolhia para tentar plantar. Amo flores brancas. Mesmo que, às vezes, elas me machucassem com suas sementes rudes, a sussurrar: "seu solo é tão impróprio e suas mãos são tão ruins que jamais uma florzinha crescerá nele". Sempre fiquei muito triste. Por mais que a maioria não me fale absolutamente nada, cada vez que uma insiste em não surgir, lembro que essa é a razão de não crescerem.Mas talvez eu seja muito seletiva também. Às vezes, algumas rosas e violetas surgiam e eu as tirava dali, carinhosamente. Eram muito belas, mas contemplariam muito melhor outros jardins. Minha mãe sempre disse que, se eu não tinha um jardim, era porque não permitia que outras flores crescessem em meu solo. Mas, para mim, que não gosto muito de rosas, nem de violetas, não faria sentido cultivá-las só por cultivar. Deixá-las crescer e as enganar com um falso carinho, para depois, com raízes firmes, retirá-las dali e entregar a qualquer um. Meu plano nunca foi ter uma floricultura. Queria um jardim de flores às quais eu gostasse.
Por outro lado, sempre fui muito reconhecida por ser uma das melhores no plantio de vegetais e ervas. As melhores sopas, normalmente, vinham dos vegetais plantados no meu solo. Muitas pessoas curavam-se e acalmavam-se com minhas hortelãs, meus boldos, minhas arnicas. Mesmo quando mudei de casa, e consequentemente, de quintal, apesar da inicial dificuldade, o esquema de haver muitos vegetais e nenhuma flor no meu quintal permaneceu. Os vegetais, inclusive, ficaram mais abundantes. As ervas, diminuíram bastante, o que me entristeceu profundamente. Mas o que era essencial para minha vida eram os vegetais. Flores embelezam. Ervas ajudam em processos curativos. Mas quem alimenta mesmo, são os vegetais.
Acontece que ocorreu uma nova mudança, que recuperou as minhas ervas e tornou meus vegetais escassos. Cresceram apenas poucas abobrinhas. Naquele ano, não houve sopas. Mas não foi um ano de fome e infelicidade. Tinha tanta cidreira, tanta melissa que me encantavam e me acalmavam com os incensos, chás, banhos, aromatizadores que geravam. Eu nem ligava mais em comer apenas abobrinha e em não haver flores para aquecer meu coração.
Até que um brotinho surgiu, sem aviso prévio, em um canteirinho do meu quintal. Fiquei tão curiosa com aquele pequeno verdezinho que passei a cuidá-lo. Conversei com ele desde então sempre que pude e descobri que ele queria o carinho das minhas mãos. Até que ele se tornou um botãozinho branco, delicado e belo, e meu coração se encheu de felicidade. Seria aquela a primeira florzinha a crescer em meu solo? Tão empolgada fiquei que a reguei abundantemente. Mas a florzinha se assustou com tanta água, que voou com o vento e foi parar em um outro quintal.
Foi um desabar pesado o que se seguiu. Não porque estivesse tão apaixonada por aquele brotinho, mas porque pus tudo a perder. Eu realmente tinha mãos tão ruins que nenhuma florzinha iria crescer ali. Jamais. Mas ao ponto que aquilo me deixou triste, abriu minha mente para novas ideias. Se uma florzinha brotasse ali, eu não a expulsaria de primeira, mesmo que fosse uma rosa, ou uma violeta. Me permitiria curtir sua beleza diferente e, em seguida, entregaria a outros jardins, ventos e floriculturas. Sem ansiar que aparecesse, sem rejeitar caso aparecesse, sem necessitar mantê-la comigo. O vento e o acaso iriam me trazer, caso fosse o momento. Permaneci no encanto dos chás e ervas, cada vez explorando mais suas maravilhas. Óleos, cestas, sabonetes...
Até que... ouvi um choro quando passeava pela rua da minha casa. Uma moça lamentava que suas camélias morriam sempre em seu solo. Me flagrando, ela me ofereceu um de seus brotos, que ainda haviam sobrevivido. Ela sabia que não tornariam-se lindas flores ali em seu quintal. Observei as camélias mortas, seu tom cor de rosa dando um último grito ao se entregar aos marrons da morte. Se eu estava aceitando violetas e rosas, por que não camélias cor de rosa? Peguei cuidadosamente o brotinho, ainda verde, sem botões, das mãos daquela moça e o levei ao meu quintal.
Com o tempo, fui cuidando e conhecendo meu brotinho, até que curiosamente, ele implodiu em um botãozinho... branco. Era uma camélia branca. Receosa com meu histórico desastroso com plantio de florzinhas brancas, pensei inúmeras vezes em dá-la a outra pessoa ou largá-la ao vento antes de me apegar e vê-la partir ou morrer em minhas mãos. Tentei até ver se encontrava o antigo botãozinho branco, para não ficar sozinha caso minha florzinha me abandonasse. Mas aquele botãozinho branco já estava colorindo outro quintal: abriu-se em uma belíssima Rosa de Jericó cor-de-rosa. Já não tinha mais tanto a ver com meu jardim. Além disso, Camélia estava me fazendo tão bem... estava tornando-se tão linda... estávamos tão conectadas...
No início, fui uma jardineira muito desastrada. Pulei etapas. Pus água demais. Mas outras jardineiras, grandes amigas minhas, que já tiveram vários jardins floridos, me ajudavam a encontrar a melhor maneira de cuidar da minha florzinha. Nem sempre suas dicas se adequavam a minha Camélia, pois ela era uma flor com suas particularidades e eu, uma jardineira com as minhas. Mesmo repleta de adversidades — o medo dela querer migrar para outros jardins, dela partir pois minhas mãos e meu solo não eram bons o suficiente para ela ou seus dias de coroa baixa, com tristezas causadas não por minhas mãos, mas pelo mal tempo — nos entregamos uma a outra. Parecia tudo certo e garantido: a primeira flor que vingou saudável em meu solo complexo. Mesmo às vezes murchando, eu corrigia a tempo e a cuidava com todo amor do mundo. Nos conectamos de um jeito incrível e logo, eu já enxergava a mais bela das Camélias em meu jardim, sorrindo para mim.
Eu sabia que, como um natural ciclo, mesmo com todos os cuidados, nossa aventura findaria-se com suas pétalas tornando-se marrom para se unir a terra. Minha única insegurança era ela partir antes disso. Não foi fácil não desistir de cuidar dela por medo de me machucar. Passamos por períodos de turbulência e medos. Não apenas cravos e rosas que saíam feridos e despedaçados. Não brigávamos, mas o medo de nos perdermos nos feria e despedaçava, esporadicamente. Não queria perdê-la. Nem ela a mim. Camélias podem ser extremamente profundas e complexas. Mas sentimentais e apaixonadas também. Tudo terminava bem sempre.
Até que uma praga começou a espalhar-se pelos jardins. Temendo perder Camélia, a coloquei em um vaso, dentro de casa. Mas quem corre grande risco são minhas abobrinhas. Sem elas, não tenho mais alimento. Eu não sobreviveria. Se eu quiser ter um futuro garantido, devo salvar suas sementes e plantá-las no único vaso que eu tenho em casa. Eu tenho que escolher: Camélia ou meu futuro? Não que eu faça descaso de minha sobrevivência, nem do meu sucesso com vegetais. Apenas canso-me de não ter opção além da realidade que se fez: do plantio de vegetais, sobreviver — mas sem florecer nada em meu infértil jardim de flores brancas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Fábulas Epifânicas
Short Story"Do dia em que nasci até os meus 7 anos, fui criada em um ambiente muito interessante. Afastado do centro da cidade, uma área periférica com praia. Nada de asfalto, muitas árvores, terra, barro e, na praia, obviamente, com muitas pedras, mar e areia...