Saudades

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ROMANCES MENSAIS

LIVRO V – MENTIRAS DE MAIO

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CAPÍTULO XXIV – SAUDADES

Meu pai sempre foi considerado um herói. Não apenas por mim, mas por todos que o conheciam e o admiravam. Lester Dawson era um homem gentil, corajoso e justo. Ele esteve em inúmeras guerras, lutando bravamente para trazer a paz e salvar vidas. E mesmo presenciando cenas terríveis, todas as vezes que ele retornava para casa, carregava consigo um sorriso amável e a esperança de que o mundo um dia poderia se tornar um lugar melhor.

Ainda que passasse meses longe de casa, eu nunca senti a ausência afetiva de meu pai. Eu me lembro das tardes em que as brincávamos sob o olhar atento de minha mãe diante das peripécias do meu pai. Ao lado dele eu me sentia grande, única. Com suas mãos em minha cintura, jogando-me com o destino ao céu, eu voava alto e longe, sem mesmo me importar com o meu medo de altura. Porque eu não precisava ter medo. Meu pai jamais me deixaria cair.

Não havia limite para a nossa diversão. Quanto maior minha gargalhada, mais entusiasmado meu pai ficava. Foram muitas as experiências ao seu lado, sempre cheias de emoção e desafios. Casinhas de boneca construídas ao lado dele, o equilíbrio na bicicleta e uma engenhosa casa na árvore, onde passávamos inúmeras noites observando as estrelas, enquanto ele contava com um sorriso animado no rosto todo o seu conhecimento sobre o espaço sideral.

Quando minha mãe morreu, eu ainda era uma criança entrando na adolescência. Eu estava confusa e amedrontada. Durante cinco anos, ele abriu mão do seu trabalho no exército para cuidar de mim e garantir que eu jamais ficasse sozinha e de que não me faltaria amor. Ele era o meu confidente e melhor amigo. Com sua personalidade estranha, ele conseguia arrancar risadas minhas mesmo quando eu sentia a dor de não ter minha amada mãe comigo.

E de repente ele não teve escolhas além de ir para a guerra. O governo havia o convocado e não havia nada que ele pudesse fazer. Meu pai me garantiu que aquela seria a última vez e de que voltaria para mim. Eu tinha recém completado meus dezessete anos. Com o coração na mão, eu me despedi dele na base do exército sem imaginar que aquela era a última vez que veria meu pai com aquele sorriso brincalhão, que ouviria o doce som de sua risada e de sua voz amorosa, afirmando que me amava e que tinha orgulho de mim, que sentiria o calor de seu abraço apertado garantindo que tudo ficaria bem.

Receber a notícia de que meu pai havia levado um tiro da cabeça enquanto salvava uma família que estava sendo mantida como refém de terroristas me destruiu. Milagrosamente, ele não havia morrido, mas a região onde a bala atingiu seu cérebro trouxe inúmeras sequelas. Sua saúde se tornou extremamente frágil. Ele perdeu o domínio da fala e a sensibilidade das pernas. Seu raciocínio foi a parte mais comprometida. Por mais que tentássemos nos comunicar, ele não respondia aos chamados.

Durante seis meses, ele ficou em um estado vegetativo, onde ele precisava até mesmo de aparelhos para respirar. Não era fácil cuidar de um homem com quase o dobro do meu peso. Já que ele não conseguia se locomover, eu tinha que me virar para dar banho, trocar a fralda dele, alimentar e dar os remédios. Perdi as contas de quantas noites eu passei aos prantos, implorando forças para conseguir cuidar do meu pai e estudar.

Com a indenização que recebemos do governo, eu consegui sustentar o tratamento mais caro do meu pai, as despesas de casa e conseguir pagar alguém para cuidar dele enquanto eu estava na escola. No entanto, não demorou muito para que o dinheiro acabasse. Recebendo apenas a sua aposentadoria, eu não poderia arcar com todas as despesas, então consegui uma clínica psiquiátrica onde ele pudesse ficar internado com conforto e me mudei para um lugar bem inferior à nossa casa.

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