4- Adesivos de estrelas no teto

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Como não teríamos aula o dia inteiro, eu e Ília ficamos basicamente arrumando o quarto até a hora do jantar.
     Eu descobri que Ília tocava violino e guitarra, gostava de bandas de rock, heavy metal, e de vez em quando, música clássica.
     Ela trouxe alguns posters para decorar a parte da parede em cima de sua escrivaninha e passou mais de duas horas colando adesivos pequenos de estrelas no teto, enquanto ela checava o celular.
      Eventualmente, eu acabei falando:
      -  Você está demorando muito para estar colando adesivos aleatoriamente no teto.
      Ela virou a tela do celular na minha direção.
      - Isso é porque eu não estou colando os adesivos aleatoriamente.
     Eu apontei para os meus óculos em cima da escrivaninha.
     - Eu sou míope. Eu não tenho a mínima ideia do que está escrito no seu celular.
     - É uma foto com constelações- ela respondeu, ainda em cima do beliche- não de todas, só das minhas favoritas.
- Você está tentando copiar elas com adesivos?
- Exato- ela disse, colando mais um- em casa, eu cobri todas as paredes com esses adesivos- ela disse, com um olhar nostálgico, que endureceu em um piscar de olhos.
- Saudades de casa?- eu perguntei, tirando meu pé de cima da escrivaninha.
- Não- ela respondeu ríspida.
Claramente era um assunto sensível, eu achei melhor não pressionar.
- Que horas você disse que o jantar começava mesmo?- eu perguntei- eu não almocei e estou morrendo de fome.
      Ela olhou para o celular.
      - Acabou de começar. O refeitório fica a uns cinco ou seis minutos daqui e fica bem cheio quando começam a servir comida, então eu iria logo.
      Levantei e peguei uma blusa de botão quadriculada para amarrar na cintura. Não era como se eu fosse precisar de um casaco, em agosto ainda era bem quente, mas mesmo assim era melhor estar preparada.
      Os caminhos da escola eram bem bonitos. Passarelas de concreto cobriam uma parte da grama, que se estendia por praticamente todo o terreno. Havia também algumas árvores, grandes o bastante para que três ou quatro pessoas conseguissem se sentar a sua sombra, que já estava começando a sumir conforme o sol descia do horizonte.
        - Aqui é bem bonito- eu disse, admirando um grupo de amigos conversando sentados no gramado.
       Ília deu uma risada fraca.
        - Quando você tiver um tempo de química seguido de um de artes e ter que correr metade do campus em cinco minutos, pode ser que você mude de ideia.
        - Acho que eu não vou mudar- olhei para o chão- a escola que eu estudava era basicamente um prédio de concreto com chãos de concreto e pessoas de concreto. Aqui o ar parece ser mais... livre.
Ela riu.
- Livre?
- Sabe?- eu tentei explicar, meio sem graça- Mais aberto, puro.
Ela deu um sorriso meio de lado e chutou uma pedrinha que estava no caminho.
        Eu consegui não esbarrar em nada até chegar no refeitório, o que eu considerei um grande sucesso.
        Nós entramos direto na fila, que estava quase saindo pela porta.
        - É por isso que eu trago um fogão elétrico e pacotes de miojo- Ília disse quando eu suspirei, em reclamação.
         - Honestamente, estou começando a pensar que isso foi muito inteligente da sua parte.
        Ela deu um sorriso de lado.
        - Eu estou aqui desde o primeiro ano do ensino médio, então eu já aprendi algumas coisas.
        - Você fala como se fosse uma eternidade e não ano passado.
        - Muita coisa pode mudar em um ano.
        Eu sorri, e ela me estendeu uma bandeja.
Eu sempre ficava nervosa quando eu conhecia uma pessoa nova, sempre ficando em algum ponto entre "não falar nada por não ter nada a dizer e deixar um silêncio constrangedor tomar conta" e "falar demais sobre assuntos aleatórios para impedir o silêncio constrangedor de aparecer e me arrepender de grande parte ou de tudo que eu falei depois", mas para o meu alívio, o silêncio nunca durava o bastante para eu começar a entrar em pânico. Olhando por esse lado, Ília falar muito não parecia tão ruim assim.
Eu dei um pequeno sorriso e ela se virou para mim.
       - Não imagino que você conheça alguém por aqui, então, você pode sentar na mesa da minha galera- Se você quiser, é claro- ela adicionou rapidamente
Eu dei um sorriso fraco.
- Pode ser.
      Nos filmes americanos a comida parecia ser intolerável (o que deve ser verdade para a maior parte das escolas em qualquer lugar do mundo) mas ali, a comida parecia ser bem decente. Agradeci a qualquer Deus que estivesse me abençoando naquele momento.
Depois de enfrentarmos a fila, Ília começou a vagar pelo território, até ver uma pessoa em pé, acenando na nossa direção.
Nós seguimos até lá, onde dois garotos estavam sentados.
Nós sentamos no banco em frente ao deles.
Um dos garotos, negro com o cabelo tão curto que mal dava para notar os pequenos cachos que ele tinha, e que provavelmente era mais de quinze centímetros mais alto que eu, apontou para mim.
- Colega de quarto?- ele perguntou para Ília.
Eu assenti com a cabeça.
- Alana- me apresentei.
- Alex. E esse aqui- ele deu um tapa de leve no ombro do garoto ao lado- é o Luka.
Luka deu um aceno tímido. Ele usava um gorro, apesar de não estar frio o bastante para isso, e os óculos redondos davam para ele uma vibe meio artística.
- Eu conhecia um Luca antigamente- eu disse- seu nome é com "c"?
- "k"- ele respondeu.
- achei um nome maneiro.
Ele sorriu.
- Obrigada! Eu mesmo escolhi.
Sorri de volta. Os três pareciam ser boas pessoas, e eu comecei a relaxar. Eu já estava falando com três pessoas e as aulas nem tinham começado ainda! Acho que eu já podia considerar aquilo uma vitória.
     Talvez eu tivesse sorte naquele ano.
     - Ela é intercambista- Ília disse, fazendo um gesto na minha direção.
- Veio participar no Step Up?- Alex perguntou.
Franzi a testa.
- Não sei o que é isso.
- É uma competição de dança estadual- ele explicou, animado- a escola todo ano aceita intercambistas que participam.
       Me encolhi.
       - Não, eu só estou aqui pelo intercâmbio mesmo.
        - Você vai participar esse ano, não vai?- Luka perguntou com um olhar curioso.  
        Ília deu uma risada fraca.
        - Sim. Eu faço dança desde os meus cinco anos de idade, já estava na hora de eu tomar coragem e me inscrever.
        - Você faz aula de dança?
        Ela confirmou com a cabeça.
         - Vocês viram a Vi? Ela normalmente não chega atrasada para comer- Alex perguntou, escaneando o refeitório com o olhar.
       Ília riu baixinho.
       - Yo no Vi- ela murmurou em espanhol.
      Revirei meus olhos pelo trocadilho, e eu não fui a única.
     - Você precisa fazer essa piada toda vez?- Alex perguntou.
     Ela sorriu.
      - Claro que eu preciso.
     Nesse momento, uma garota morena, com o cabelo cacheado azul atrás de uma faixa vermelha, colocou uma bandeja com comida ao lado de Luka, e se sentou, com outra bandeja, ao lado de Ília.
Senti Ília se ajeitar desconfortavelmente e ir mais para perto de mim.
- Oi, quem é a novata?
Me apresentei de novo e falei de onde eu vim, ganhando um sorriso da garota, que eu descobri que se chamava Vivian.
- Nossa, que coincidência, a minha colega de quarto também é uma intercambista de lá.
- Bem, seria legal conhecer ela. É sempre legal saber que alguém mais vai reclamar que não tem arroz e feijão aqui.
- Sinceramente, eu não sei qual é a do arroz- Alex murmurou- não tem gosto de nada.
- Ela deve chegar aqui daqui a pouco- Vi disse, dando uma olhada pelo refeitório- ela só disse que iria no banheiro e pediu para eu trazer a bandeja dela...-os olhos dela pararam em algum ponto atrás de mim e se arregalaram- ali está ela!
        A garota se sentou em frente a bandeja, ao lado de Luka e de frente para mim. Eu ainda não tinha me acostumado com o novo corte de cabelo, mas a blusa e jeans escuros me trouxeram um sentimento de familiaridade.
        Eu quase deixei meu garfo cair enquanto vários sentimentos passavam por mim.
        Felicidade, tristeza, raiva, medo, saudades, e algo que eu não queria admitir, mesmo que eu tenha sentido meu coração parar por alguns segundos.
        Um ano. Tinha se passado a porra de um ano e eu ainda não tinha superado.
        Eu só queria cavar um buraco, entrar dentro dele e nunca mais sair.
       - Alessa- eu murmurei, embora tenha saído quase que como um suspiro.
       - Alana- ela respondeu, dando um pequeno sorriso.
       Aquele definitivamente não seria o meu ano.

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