O Clandestino

AQUELE OUTRO

Em um sonho com ele mesmo, um dele chegou e disse assim: -Cara o que cê tá arrumando, vamos dá uma organizada nessa vida?!
Sem reação, só observou.
Um painel com mais de cinquenta pessoas se abriu na sua frente, como uma grande tela de computador. Esse "Eu" era muito organizado e dizia ser fácil organizar a vida. Então novamente perguntou.
- Olha! Dessas cinquenta pessoas que tem mantido algum tipo de contato ultimamente, qual delas existem de verdade para você, qual delas você vê aqui...no mundo, qual delas você pensa realmente em ver todos os dias da sua vida? Escolha cinco delas!
Meio confuso mas confiante que aquele "eu" estava certo do que estava fazendo, escolheu as cinco como se fosse um juiz de alto nível ao julgar a si mesmo. Por alguns segundos pensou até em não saber o que estava fazendo. Mas aquele "eu"demonstrava agilidade ao manipular todos aqueles dados, dizendo vez ou outra que:
-Não acredito como não resolveu isso ainda, é tão fácil. Mas você gosta de complicar tudo!
Enquanto falava, boquiaberto e abismado ficava, principalmente quando percebia quanta bobeira, quanta babaquice, quanto amor e tempo perdido naquelas palavras fixas, distorcidas e mal acabadas. Em alguns casos era um intelectual em outros um artista renascentista, em outros era até ele mesmo, porém começava a perceber que na verdade não passava de uma simples vítima daquele troço. Mas antes que pensasse muito sobre isso tudo, aquele outro muito mais sério e determinado, rapidamente acabou a análise dos dados das cinco referências e falou.
-Está vendo! Aqui você é assim, ali você é desse jeito. Aqui é grosso, ali educado, nesse, singelo, sublime e no outro um pobre coitado que ama e só quer ser amado.
Depois de uma pausa de quase três segundos, calados pelo olhar dum pro outro, se encarando, aquele outro disse assim:
-Então..!? Qual desses você quer ser. Escolhe um!?
E num amontoado de si mesmo, acordou com os olhos abertos num olhar fincado no teto, como se duvidasse de que antes estava mesmo dormindo. Mas, sentindo-se atrasado, levantou e foi trabalhar. Pois tudo que sabia, é que tinha certeza da incerteza do estar. Então, assim como "aquele outro", dedicado e incumbido, o "eu" decidido, aquele "eu" voltou a sonhar. Eram três horas da madrugada de domingo e segunda feira inda dormia, sem horas pra chegar.

Uaraua...