⋆⊰ Capítulo 2 ⊱⋆

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...

São quase sete da noite, as luzes das ruas se acendem uma após a outra enquanto a noite fica cada vez mais profunda. Não há mais muito movimento de pessoas ou carros e me sinto genuinamente vulnerável com esse cenário.

Não muito longe de casa, caminho com pressa pela calçada até que sou abruptamente arrancada do meu trajeto e puxada para dentro de um beco no meio da escuridão.

Ofego perante tamanho susto, caindo no chão com o puxão violento, a palma das minhas mãos se abrindo em escoriações com o impacto. Olho para cima tentando ver a pessoa que me atacou e encaro a sombra de alguém alto na minha frente.

Um gelo corre a minha espinha e o medo me toma, me deixando inerte. Começo a recuar, me apoiando sobre as mãos o quanto posso para longe da figura parada perante mim.

— Me dá a bolsa e o celular!

A voz rouca e profunda ecoa pela escuridão do beco, me ordenando e despertando a intriga entre meu pavor.

Eu conheço essa voz!

Penso e ao passo que minha visão começa a se ajustar à escuridão do lugar, encaro o homem na minha frente, lhe entregando o celular com as mãos trêmulas. Atento-me um pouco mais, forçando minha visão para poder olhar seu rosto, mas a noite não me permite.

— Não tenho nada na bolsa. — Esclareço ao vê-lo vasculhá-la, minha respiração ofegante enquanto o observo.

O rapaz dá um pequeno passo para frente, sua atenção completamente voltada para a bolsa e uma fraca luz vinda da rua alcança seu corpo.

Ele está muito agitado, suas mãos tremem desesperadamente procurando por algo que ele não consegue encontrar. Observo suas vestimentas e me estarreço com tal visão. Um jeans azul e desbotado. O casaco longo e amarelado o previne do frio, quase como um sobretudo por cima de uma camiseta branca. Seus pés vestidos em um par de tênis preto esfolado. Tudo muito sujo.

Suas mãos se encontram encardidas e feridas. Ele certamente é um morador de rua e, pelo seu comportamento, um viciado abstento das drogas há algum tempo.

O indivíduo dá mais um pequeno passo para o lado e atira minha bolsa no chão, enfurecido quando não encontra nada. Estremeço perante sua atitude, recuando um pouco mais e o encaro. A luz vinda da rua finalmente alcança seu rosto e arregalo os olhos, atordoada.

— Tyler?

O rapaz volta seu olhar perturbado para mim e parece tão surpreso quanto eu pelo que acaba de ouvir. O avalio com cuidado para ter certeza de que não estou ficando louca e isso me deixa ainda mais tonteada.

Ele é alto, as roupas largas me impedem de determinar seu porte físico, mas parece robusto, apesar da magreza. Sua pele parece clara e ressecada por baixo da sujeira, as profundas olheiras escuras marcam seus olhos que são de um verde-claro lindo. Os cabelos loiros, lisos e longos escondidos por uma touca cinza que deixa vazar as pontas compridas. A barba um pouco alta contorna seu rosto, sua aparência é jovem, porém desgasta.

Fico paralisada, não posso acreditar no que os meus olhos veem. Esse é o rosto que eu reconheceria em qualquer lugar, apesar das marcas, é o mesmo rosto de Tyler. A única diferença entre eles, são os cabelos. Tyler tem os cabelos negros e pouco alongados.

O estranho recolhe a minha bolsa e a devolve pacificamente, colocando apenas o meu celular em seu bolso. Ainda me encarando com força, ele se aproxima um pouco.

— Eu não sou o Tyler! — Exclama, como se soubesse de quem estou falando.

Em meio ao meu pavor, minha curiosidade se torna grande. Meus ouvidos ficam mais aguçados para ouvir sua voz, meus olhos capturam cada pequeno detalhe em seu rosto pálido e na frieza do seu olhar esverdeado, incrédula de tudo que estou presenciando no momento.

O rapaz vai embora pelo beco escuro e o assisto até sumir na escuridão. Mesmo o seu modo de andar é igual.
Bastante atordoada com o que acabo de presenciar, pego minha bolsa e corro para a casa. Ao chegar, vou direto para a mesa de canto da sala e apanho o telefone fixo com nervosismo, discando o número de Tyler.

— Ei, Ty, eu já cheguei em casa. — Eu anuncio assim que ele atende o celular, tentando bravamente deixar minha voz soar normal.

Demorou, já ia te ligar! Falando nisso, o que aconteceu com seu celular?

Aperto os olhos por um instante, tentando pensar em alguma desculpa. Não vou contar que fui assaltada, de jeito nenhum!

— Hum… a bateria acabou. Você pode vir aqui mais cedo amanhã? Quero conversar sobre uma coisa.

Posso saber o que seria essa “coisa”? — Questiona desconfiado.

— Não é nada importante. Apenas quero tirar uma dúvida. — Invento.

Certo, estarei aí mais cedo. Boa noite, Ally! — Ouço um bocejo do outro lado da linha e agradeço que seu cansaço tenha tirado seu interesse de mim.

Volto o telefone a sua base e passo as mãos pelos cabelos, incrédula.

Sei que amanhã Tyler vai ficar furioso por eu não ter dito nada a ele, mas não quero aborrecê-lo a essa hora, não com um "gêmeo do mal", muito menos quero levar uma bronca por ter recusado sua companhia.

Subo para o quarto e mais calma vou tomar um bom banho. Tiro minha calça arruinada pela queda e trabalho em limpar os solados na palma das mãos, reclamando um pouco da ardência. Isso me mostra que aquilo não foi uma alucinação.

Perco-me em pensamentos ao recordar do rosto daquele rapaz. Como isso é possível? Tyler não tem um irmão, ao menos ele nunca mencionou um, ainda mais gêmeo.

Pela primeira vez em minha tediosa rotina noturna, não tenho tempo de pensar nas coisas ruins sobre a minha vida, apenas naquele rapaz. Ele não sai da minha mente!

Deve ser tudo coisa da minha cabeça, Tyler irá rir da minha cara e me chamar de louca pela manhã.

Devo apenas estar pensando demais, mas… como eu poderia alucinar daquela maneira?

...

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