Prólogo

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𝚂𝚊𝚕𝚟𝚊𝚍𝚘𝚛 | 𝙵𝚎𝚟𝚎𝚛𝚎𝚒𝚛𝚘 𝚍𝚎 𝟷𝟿𝟾𝟻

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𝚂𝚊𝚕𝚟𝚊𝚍𝚘𝚛 | 𝙵𝚎𝚟𝚎𝚛𝚎𝚒𝚛𝚘 𝚍𝚎 𝟷𝟿𝟾𝟻

É verdade o que dizem? "Todo Carnaval tem seu fim em cinzas". Eu sei que é mais um dos meus ditados que você não vai conseguir entender, nem terei a paciência de te explicar, no entanto me refiro as grandes sensações de felicidade, são como um carnaval, curtas e intensas, terminam de maneira abrupta e então já não resta mais nada além das cinzas e da saudade de um breve momento que vale por uma vida inteira.

Respiro fundo e começo a escrever, as teclas da maquina de escrever fazem um barulho gostoso, misturado ao som do mar, arrisco dizer que é melhor que música.

Os dias 28 tem se mostrado complicados para mim a cada mês que se passa. Hoje, completa exatos um ano e oito meses desde que te vi pela primeira vez, ou notei, como você gosta de ressaltar. Sim, essa é mais uma carta na qual sei que não irá ler, é a trigésima delas. Ficaria furioso se visse a quantidade de cartas em sua caixa postal, isso é, se eu tivesse coragem de enviá-las. Foi o que nós dois combinamos, sem lamentações, certo? Devemos encarregar o destino dessa maldita responsabilidade de nos reencontrarmos, afinal o mundo é pequeno e a vida é longa... ultimamente tenho pensado o contrário. A vida que é curta para o tamanho do mundo, tem ideia de quantos lugares maneiros iremos morrer sem conhecer? Pelo menos tenho a certeza que um deles está na palma de minha mão, estou tocando a areia dele e sentindo o cheiro do mar.

Posso não ver o mundo inteiro, mas pelo menos ainda tenho Salvador, como nós dois sempre teremos Los Angeles — ou Paris se você ainda gostar de cinema em preto e branco. Sim, Casablanca ainda é um de meus filmes preferidos.

Estou na praia. Antes de sair para o trabalho passo por aqui todos os dias desde que combinamos de nos encontrarmos em frente ao Farol da Barra um dia, mas você nunca veio. Todos os dias venho na esperança de te encontrar sentado na areia, de costas para mim, eu te reconheço de longe, vagarosamente me sento ao seu lado e você nota minha presença, mas nunca tenho coragem de dizer nada. Assim como não tenho coragem de enviar as cartas, acho que é uma manifestação do meu subconsciente.

Falta um dia para o melhor Carnaval da história desse país acabar, os militares renunciaram o poder, é nossa primeira folia livre em vinte anos, mas ainda estou proibida de exercer minha profissão, pelo menos do jeito que desejo. Sinto saudades do Los Angeles Post, poderia odiar todos os meus colegas de trabalho, mas pelo menos não era obrigada a escrever crônicas de pornochanchada para me sustentar. Por favor, não ria disso, não sou nenhuma degenerada, apenas uma mulher tentando pagar as contas. Certo dia em uma adaptação de roteiro ouvi uma atriz dizer sem pudor algum "dinheiro na mão calcinha no chão", eu morri de rir e depois me dei a liberdade de reformular para "dinheiro na mão, dignidade no chão". Não é tão ruim assim, estou dramatizando, costumo dizer que sou uma trabalhadora da arte vulgar, você sabe que até mesmo na baixaria há sempre um quê de intelectualismo. Nós dois somos a prova viva disso — e o recente clássico brasileiro A Dama da Lotação também. Falando em brasilidade, Legião Urbana, aquela banda que te apresentei, acaba de lançar um disco novo. Não sou a maior amante do rock, mas eles são bons demais para não serem ouvidos por culpa de uma guitarra e uma bateria, inclusive há uma música em especial que me lembra a gente, se chama Eduardo e Mônica. Você também não saberá traduzir, mas logo adianto, lembra em poucos versos, bem poucos mesmo, na verdade, sou eu quem faço esforço para te enxergar em todas as coisas. Até no meu mais novo trabalho. Ao invés de escrever artigos, escrevo essas cartas, pelo menos alguém poderá ler. Se lembra quando disse que escolhi ser jornalista porque não é uma profissão cômoda? Neste momento se tornou, mas também já não me importo mais. Perdi minha fé no mundo, nas estruturas sociais... em tudo. E quer saber? É bom ficar alheia às tragédias do mundo por um momento.

All Through The Night [REESCREVENDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora