𝙻𝚘𝚜 𝙰𝚗𝚐𝚎𝚕𝚎𝚜, 𝙹𝚞𝚗𝚑𝚘 𝚍𝚎 1984
— "Anos 80: estamos na melhor década de nossas vidas!" — falei alto, tentando sobrepor o som da música alta — O que acha desse título?
O Bartender a minha frente pouco se importou quando perguntei, estava virado de costas, preparando mais uma de suas gororobas com gosto de morte para o próximo pobre coitado que estivesse pagando uma fortuna em drinks, nos quais o único motivo de custar 10 dólares era o nome estranho e as ervas que sabe se lá deus o que eram.
— Horrível, igual as suas reportagens — ele gritou de longe.
Mesmo com a música estridente, ainda consegui ouvir seu desaforo, no entanto escolhi ignorar a ofensa pessoal e foquei no rabisco do título de minha próxima matéria. Estava praticamente impossível enxergar as linhas do meu bloco de notas em meio a aquela mistura de escuridão e luzes neon girando por todos os lados da boate, por mais acostumada que estivesse em trabalhar nas noites de festa.
— Pensei que você fosse gostar, é um olhar otimista. Caramba, Jack, estamos finalmente caminhando para uma sociedade melhor.
— Olha ao seu redor Cecília, o mundo está pegando fogo! — disse enquanto atendia um homem desconhecido a poucos metros de mim.
— O que? A boate está pegando fogo?
— Não! O mundo, Cecília, o mundo é quem está pegando fogo — ele repetiu mais alto. Depois finalmente se voltou para mim com um sorriso provocador carregado de ironia.
Senti que estava prestes a ser humilhada pelos seus discursos trágicos, que sempre vinham carregados de rixa pessoal contra minha profissão. Em outro dia, teria revidado a altura antes mesmo que Jack abrisse a boca, mas hoje não. Hoje é uma noite terrível, daquelas em que precisamos estar a um certo grau de embriaguez para sobreviver e se eu brigar com o Bartender, quem mais me embriagaria?
— Temos uma epidemia de um vírus que nunca vimos na vida, a crise climática se agrava a cada dia. O mundo pode acabar daqui uma década ou duas, se os Maias estiverem certos — enumerou em seus dedos as terríveis mazelas de seu mundo, enquanto eu ergui a sobrancelha incrédula pela última parte.
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All Through The Night [REESCREVENDO]
RomanceBonita, confiante e fracassada. Aos 28 anos, Cecília Flores sempre almejou reconhecimento como jornalista e viu na fascinante Los Angeles dos anos 80 a chance de construir a vida dos sonhos. Se não fosse pelo simples fator de falhar em tudo que se p...