1°- CAPÍTULO ✝

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Expiro profundamente de maneira alta, enquanto caminho pela calçada de concreto, ao mesmo tempo que, escuto o som baixo dos saltos quadrados dos meus sapatos pretos. Uma rajada forte de vento me atinge quando viro à esquerda, na mesma calçada, entrando no quarteirão do meu prédio.

O dia estava cinza, sem vida e sem cor, mas, mesmo assim, as ruas estavam movimentadas com automóveis fumacentos e as calçadas estavam cheias de pedestres muito bem agasalhados, que andavam sem olhar para os lados, mais preocupadas com seus problemas do que com as pessoas ao redor. E a verdade era que hoje, eu também era assim.

Sai de casa cedo para ir atrás de emprego, e como no dia anterior e o anterior a ele e no anterior ao anterior, eu não tive sorte. Ultimamente tudo tem estado tão difícil, será que devo chamar isso de crise? Não é como se eu sempre arrumasse um emprego com facilidade, mas nos últimos meses parece ser uma tarefa impossível.

Suspiro cansada, sentindo minhas pernas doerem de tanto que andei. As solas dos meus sapatos já estavam começando a ficar gastas e se eu não arrumasse um emprego logo para comprar um par novo, então andarei com furos nos sapatos, pois, não tenho dinheiro para quase nada.

Desde que Marrie, minha prima e colega de apartamento, desapareceu há dois anos atrás, tudo tem sido extremamente difícil. Além de todo o tormento que foi dividir meu tempo entre passar os dias na delegacia dando depoimentos e perder tempo espalhando cartazes pelas ruas, enquanto sofria pelo sumiço de minha prima, a situação financeira começou a ficar cada vez mais apertada. Antes de Marrie desaparecer, apesar da vivência simples e modesta, nós duas nos ajudávamos e, por isso, conseguíamos ter uma boa vida na medida do possível, mas ter que lidar com tudo sozinha - agora - parece demais para mim.

Com mais um suspiro cansado, me dou conta de que havia chegado em frente ao prédio de cinco andaras, do qual, eu morava. Parada em frente a porta de vidro suja por marcas de dedos, encaro o amarelo apagado e desbotado das paredes rachadas que caiam as lascas.

O vento sopra forte como se me empurrasse em direção a porta dupla, indicando que eu deveria entrar, pois, estava anoitecendo e o cinza da tarde dava lugar ao azul-preto-escuro da noite.

Sem me importar em segurar nos puxadores enferrujados, empurro a porta e passo para dentro do pequeno saguão vazio e sem sinal do porteiro que quase nunca aparecia para trabalhar. O chão estava completamente sujo de marcas pretas e secas de pés, e eu até mesmo pude ver algumas baratas correndo para se esconderem.

O saguão estava completamente silencioso, tão quieto que era possível escutar minha própria respiração quente saindo em formato de fumaça. Observando tudo, encaro as escadas que nunca se mexiam, mas que eram como alguém que apenas esperava por aqueles que seguiriam por ela. A lâmpada pendida por um fio desencapado no teto, balançava sutilmente, acompanhando o piscar falho da luz que ameaçava queimar a qualquer momento como se fosse um aviso prévio.

A iluminação aqui era baixa e embaçada por conta da noite do lado de fora, e contrastava perfeitamente com o silêncio sorrateiro que se escondia em cada fresta do saguão sujo.

Andando para o lado direito, vou até à parede ocupada por várias pequenas caixas de madeira com fechaduras. Enfio a mão no bolso do meu casaco vermelho e puxo o pequeno molho de chaves, e usando a menor delas, destranco a minha caixinha, tirando de dentro algumas correspondências. Após trancar tudo como estava, sigo em direção as escadas, fazendo os ecos dos meus passos preencherem o prédio.

{A sensação de uma estranha presença por perto, como se olhos estivessem nas suas costas te observando pela nuca e passos silenciosos e arrastados seguissem os seus, dançando junto ao vento gelado, ocultando o aroma pútrido da escuridão que sempre caminha com você.}

HELLISH CIRCUS || KTH [SHORTFIC]Onde histórias criam vida. Descubra agora