ᴊá ᴛɪɴʜᴀ se passado uma semana que eu estava ali. Longe da minha antiga rotina, dos meus antigos amigos, e das memórias que eu tinha. A única coisa que me era conhecida, além do meu novo quarto, era o homem sentado do outro lado da mesa.
Ivaar tinha uma barba grisalha cobrindo seu rosto, muito bem aparada, e que ele dizia que servia para mantê-lo aquecido nas bochechas. Seu cabelo ia até a altura do queixo com o mesmo propósito, mas para as orelhas. Seus olhos eram mel puro, iguais aos meus, e reluziam com o calor do fogo.
Ele era sério até mesmo quando comia, concentrado demais no prato, mas nenhum de nós sabia como começar uma conversa, então estava valendo. Ivaar também era conhecido por ter mãos habilidosas desde que viera parar na vila, e isso o tornou o melhor carpinteiro da região.
E por último, mas não menos importante, ele era meu avô.
Eu agora morava com ele, e ambos estávamos sofrendo com isso, pois podia ser em circunstâncias mais amenas. Afinal, qualquer coisa era melhor do que a perda de um pai e um genro que era considerado um filho.
— Kaira..
A voz de Ivaar soou rouca. Ele não falava muito, passava o dia na oficina transformando madeira inerte em esculturas vivas. Me pergunto como ele estava se sentindo agora sabendo que não estava mais completamente só naquela casa na beira da floresta, já que nem animais de estimação ele tinha.
— Terminou de ver aquela série que estava comentando?
— Ah, sim. — minha voz não soou melhor que a dele. Durante aquela semana, eu só fiz ficar no meu quarto acompanhando algumas séries de humor que me arrancavam alguns sorrisinhos. — Terminei ontem à noite.
Ivaar assentiu. Posicionei a faca gentilmente em cima do prato já vazio. Fiquei calada, pois não queria usar a desculpa de que havia terminado o jantar para subir as escadas e me enfiar embaixo das cobertas.
Eu não queria fazer isso porque, na realidade, nunca lidei bem com coisas tristes sozinha. Mesmo que o silêncio que eu e meu avô compartilhávamos fosse embaraçoso, era melhor que o silêncio ensurdecedor da minha cabeça. Simplesmente não sabia o que pensar, então me afogava na profundidade do vazio.
O vazio era constituído dos últimos momentos que eu e meu pai tivemos juntos. No entanto, como ele disse adeus da mesma forma que as árvores dão adeus ao sol no inverno, ele não estava mais lá. E as lembranças receberam um tom cinzento.
A morte de papai colocou muitas questões em pauta dentro de mim. Eu já esperava esse final, ele estava doente demais, o câncer já havia se espalhado, sofria a cada dia, mas não significava que eu fosse lidar com a perda sorrindo.
Eu ainda torcia pelo melhor, mesmo esperando o pior.
Acontece que não havia se completado nem um mês desde o acontecido, e o único parente restante era meu avô materno. Os meus avós paternos já tinham falecido muito antes de eu nascer e minha mãe, bem... Ela estava viva e em algum lugar do mundo que eu desconhecia, e Ivaar também não fazia ideia.
Suspirei mentalmente ao me dar conta mais uma vez que, caso aquela lareira não estivesse acesa e a casa não tivesse calefação, eu poderia jurar que estava sentindo frio, mas era só meio que meu estado no momento. Claro, isso se eu não fosse lá fora.
Eu me considerava uma moradora do Polo Norte, pois o inverno daqui deve ser parecido com o de lá, só que com mais gente e um povoado a vinte minutos de caminhada. Ok, se eu morasse algumas centenas e centenas de quilômetros para cima eu poderia ser considerada vizinha do Papai Noel. Não morávamos tão perto assim.
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Quando cai a última folha ✓
Fantasy"O destino é inalterável, o rumo é certeiro. Por outro lado, temos o livre arbítrio para alterar o modo como vemos a realidade, ɴós somos mutáveis." Com o último outono, Kaira perdeu a pessoa mais preciosa em sua vida, e agora precisa enfrentar um i...