Epílogo

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Lucinda deslizou o colar por sua cabeça, as memórias tão docemente a embalando, protegendo seu coração de todas as adagas que ela mesma tentava enfiar ali. Em muito tempo, se lembrou de como era ser amada, por tudo que aquele presente representava: a parte favorita de sua história.

A parte em que descobria o que era um amor calmo, regado de risos cúmplices, piadas internas e momentos de carinho. A parte em que ela se viu capaz de construir ao lado de outra pessoa uma realidade mais delicada, sem destruir a trajetória como achou que faria. Afinal, era isso que ela acreditava fazer: arruinar. 

Porém, as noites em que chorava e era amparada por um ombro amigo, os treinos incansáveis com seus novos poderes, que a faziam bufar em frustração, mas provocavam risos nas Estrelas e em seu representante, mostraram a ela que era possível se reerguer e tocar a felicidade com momentos simples. Que por mais habituais que fossem, alguns ciclos poderiam ser quebrados. 

Lucinda não havia esquecido as dores que Sven lhe causara quando se apaixonou por Cygnus, e isso que a fez amá-lo ainda mais, pois ele não julgava suas feridas. Pelo contrário, auxiliava no processo de cicatrização.

Enquanto esteve refletindo em seu próprio silêncio, tudo isso passou por sua mente, como as lembranças com Cygnus transformaram seu coração e trouxeram a calmaria de uma noite límpida e estrelada para seu inverno interior. Inevitavelmente, ela se perguntou por que havia aberto mão desses momentos para concretizar um ato destruidor.

Um luto tardio, ela concluiu. Atrelado à única coisa que ela achava que era capaz de fazer. 

Mesmo se permitindo amar Cygnus e revitalizar essa área de sua alma, Lucinda nunca se permitira sentir pela perda dos filhos, nunca se permitira pensar sobre ou deixar alguém chegar perto para oferecer ajuda, até o ponto em que a dor acumulada se transformara em raiva por uma injustiça que não tinha dono, encontrando seu alvo em Winter e sua família. 

Mesmo tendo sido dita que deveria seguir em frente, Cindy ainda achava difícil de acreditar que havia pago todas as consequências por seus atos.

Nem sempre é sobre um acerto de contas, minha filha.

Aquela voz familiar ecoou em seus ouvidos mais uma vez, tranquilizando-a. A voz oposta em tudo, exceto em seu constante amor.

— Sobre o que seria, então? — ela sussurrou.

Aprendizado, amadurecimento e evolução constantes.

Sem perceber, Lucinda sorriu suavemente.

Foi assim que Cygnus a encontrou, no meio da energia azul perolada das estrelas, um sorriso suave no rosto e o colar que ele a dera dependurado em seu pescoço. Uma materialização efêmera do tamanho de seu amor por ela.

Se fosse para ser sincero, ele diria pensar que ela era uma miragem. Com um passo hesitante, Cygnus se aproximou.

— Cygnus! — Lucinda o encarou e, ao contrário do que achou que faria, se jogou nos braços dele. Ela não foi capaz de se conter.

Ele a abraçou, sentindo todas as Estrelas suspirarem em conjunto a ele. Alívio e carinho dominou cada um dos pontinhos cintilantes no céu.

— Cindy. — Cygnus a distanciou o suficiente para encará-la, as mãos emoldurando o rosto dela — Meu amor.

Lucinda sentiu lágrimas molharem suas bochechas, não mais as oscilações da Aurora Boreal.

— A Travessia já se iniciou?

— Sim. — Cygnus deslizou uma de suas mãos pelo rosto de Lucinda e a deixou se encontrar entrelaçada na dela — Irei lhe acompanhar.

Lucinda levou a mão de Cygnus aos seus lábios, beijando-a com ternura.

— Obrigada. Por todo seu apoio, por todo seu amor. — ela respirou fundo, procurando o ar para se expressar — E me desculpe. Por tudo.

Lucinda mirou fundo os olhos dele, torcendo para que seu arrependimento, passado de forma meio rasa por uma frase que não conseguia captar a magnitude de seus sentimentos, pudesse ser refletido em seus olhos também.

— Nós iremos perdoar o passado, viveremos um futuro melhor. — Cygnus apertou a mão de Cindy com carinho — Juntos, já que essa também é a minha Travessia.

Lucinda não conteve o espanto.

— O que quer dizer?

— Eu pedi para renascer ao seu lado. Já está na hora de deixar uma nova alma assumir o meu cargo, não acha? — Cygnus sorriu — Estou ficando empoeirado, tanto tempo parado no mesmo posto.

— Você abriu mão de ser um espírito? — Lucinda o segurou pelos ombros — Por quê?

— Eu gostaria de uma nova chance ao seu lado. Reescrever o nosso amor mais uma vez, quem sabe?

Lucinda o beijou. Tomou os lábios de Cygnus e sentiu todos os astros de seu céu interior se acenderem, ao mesmo tempo que ele se sentiu desabrochar, depois de tanto tempo sem receber o toque que trazia a primavera até ele.

— Eu te amo. — ele sussurrou, beijando o topo da cabeça de Lucinda. Ela o abraçou, aconchegando-se em sua presença.

— Eu também te amo, para sempre.

Ao longe, em meio a uma floresta de pinheiros, uma garota ouviu as juras de amor serem trocadas como as últimas palavras que as duas almas se diriam antes de renascerem, e poderem repeti-las quantas vezes quisessem. Uma flor renovaria suas pétalas, e uma estrela restauraria seu brilho.

Com um sorriso no rosto, Annika soube que as últimas palavras de uma história foram ditas.

Quando cai a última folha ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora