Capítulo 2

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"Todos os dias vou bem longe...
Lá longe em meus pensamentos.
Tanto para trás, quanto para frente
Pra me perceber entendendo quem de fato sou.
Porém a busca é incessante.
A busca jamais descontinua..."

- Nilton Mendonça

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Depois da morte de minha mãe, eu percebi que todos nós temos um pouco de escuridão em nosso interior, escondida, esperando a hora de ser liberada, sendo ativada por um gatilho.

Em minha família... a bomba foi acionada na tristeza. Meu pai não soube lidar... acabou por arrumar uma nova melhor amiga, a bebida. Minha pouca idade não permitiu que eu percebesse o desastre que começava ali. Eu acreditava que juntos iríamos nos curar, mas quanto mais o tempo passava mais a casa fria ficava e mais o olhar de meu pai esvaziava... uma barreira entre nós havia sido criada.

Flashback:
21 de Janeiro de 2013

Abro os olhos lentamente, virando-me para olhar o relógio que ficava pendurado na parede ao lado da porta, hoje deveria ser um dia especial, afinal, era meu aniversário, mas somente consigo sentir tristeza. Seria meu primeiro aniversário sem ela.

Levanto da cama e me encaminho para o banheiro, faço minha higiene e coloco uma roupa fresca, estávamos no verão. Desço as escadas para o café da manhã e assim que chego no fim noto que há algo diferente. Havia caixas amontoadas ao lado da porta, franzo o cenho em confusão.

- ah, vejo que acordou - meu pai surge no corredor carregando mais caixas - ande, vá tomar seu café e comece a arrumar suas coisas, vamos nos mudar - arregalo os olhos.

- o que? Como assim, pai? Eu não quero ir, já disse! - minha respiração estava alterada, parecia que teria uma síncope a qualquer momento.

- Não importa o que quer, já disse! - me imitou na última frase fazendo voz fina - sou seu pai, enquanto estiver em minha casa fará o que mando - sua expressão era fechada - agora vai! - aponta em direção a escada.

Subo correndo e bato forte a porta, me jogo na cama não conseguindo acreditar que isso era real! Ele não podia... ali eu tinha tudo, escola, amigos... Era surreal pensar que ele me faria deixar tudo para trás, até mesmo a casa da mamãe.

Fim do Flashback.

Naquele dia fomos para um novo estado, diretamente de Brasília para o Rio de Janeiro. Segundo meu pai isso nos faria bem, "respirar novos ares". seu plano era abrir uma filial da empresa, seu plano era recomeçar bem longe de tudo.

Depois de um ano no Rio, eu ainda me sentia desconectada, era tudo tão estranho e desconhecido para mim, nova escola, novo bairro, nova cultura... mas ainda assim a esperança reinava dentro de mim. No começo conseguimos ir levando a rotina do jeito que dava, mas com o passar do tempo as coisas se dificultavam e mais surreal ficava.

Eu já não conseguia mais ter um único dia de alegria. Cada dia que passava mais meu pai se distanciava, ficava até tarde longe de casa e sempre que voltava se superava no quesito bêbado.

Mais um ano se passou assim, e eu, com meu 15 anos, assistia de camarote e sem conseguir ajudar, meu pai se afundar. Ali percebi que o recomeço nunca iria existir.

Ele conseguiu gastar todo dinheiro que tínhamos, a empresa de Brasília faliu e a do Rio sequer saiu do papel, com o tempo o acúmulo de dívidas era gritante.

A vida pode ser uma tremenda filha da mãe as vezes.

Um dia estava em minha cama travando uma luta contra a insônia, o relógio marcava 03:45 e meu pai ainda não tinha chegado... Meu erro naquele dia foi não fingir que estava dormindo.

Flashback:
07 de maio de 2015

Sobressalto ao ouvir a porta da sala sendo aberta em um estouro, me levanto rapidamente e se fosse um ladrão? Assustada vou em direção a porta abrindo uma pequena fresta, não conseguia ver ninguém mas escutei uma voz, era meu pai, suspiro aliviada mas antes de fechar a porta o vejo subindo as escadas tropeçando em suas próprias pernas mumurrando palavras sem nexo, franzo o cenho e decido ir deitar...

Minutos depois ouço a porta sendo aberta bem devagar. Continuo deitada mas abro meus olhos, vendo meu pai entrar no quarto e fechar a porta atrás de si.

Ele caminha em minha direção dando passos tortos e se senta na cama, ao olhar para o meu rosto, nota que estou acordada - heyyyy - sua voz saia bem embolada e com a luz que entrava pela janela conseguia ver que sua pupila estava dilatada - Vooc... voocê é tãoo liinda, querida... - diz passando a mão em meus cabelos, franzo meu cenho - lembra tanto ela...

- papai? O que está fazendo? - digo quando ele se deita ao meu lado com seu corpo mais em cima de mim do que da cama.

- shhhhh, querida, shhhh...

Fim do Flashback.

É... meu pai não soube lidar... naquele dia eu pude conhecer um dos piores lados que o ser humano pode ter. Depois daquele infeliz dia eu percebi que não existia mais um lar, o amor entre nós havia sido dissipado, se dissipado no ar, junto com o último suspiro de minha mãe.

Porque você se foi mamãe? Papai precisava de você aqui... eu precisava.

Luz LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora