"Quando a dor de não estar vivendo for maior que o medo da mudança, a pessoa muda.
- Sigmund Freud
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Nos primeiros meses permaneci no mesmo local e quando amanhecia andava pelas ruas na esperança de conseguir algum dinheiro para comer. Nesse tempo senti na pele o que os moradores em situação de rua enfrentam. Eu não recebia nenhum olhar de carinho ou compaixão, muito pelo contrário, o descaso e desprezo das pessoas era grande. Minha história parecia não os importar, eu havia me tornado invisível.
Em uma de minhas milhares andanças, conheci um grupo que vivia em situação de rua embaixo de um viaduto. Passei um dia com eles, ouvi seus relatos, e ali, por alguns instantes, me senti acolhida. Eu sabia que sozinha não conseguiria chegar a lugar nenhum, então decidi ficar.
Nesse grupo permaneci por um ano e nesse tempo novas flores pareciam florescer em mim, estava cheia de esperança, eu exalava mudança, eu queria o recomeço.
Até que Thiago um dos chefes do grupo decidiu que era hora de retribuir os favores, a proteção que me deram. Me forneceram equipamentos e me botaram para lavar vidros de carros no sinal.
De início não vi nada de ruim, afinal, receberia alguns trocados e quem sabe poderia dar vida aos meus planos.
Eu realmente conseguia um bom dinheiro por mês, o problema era que não recebia nada. O dinheiro era repartido entre os chefes do grupo, Thiago e Ramon.
Mais uma vez, havia recebido uma rasteira. Eu vivia em uma montanha-russa que só sabia descer.
Pensei em esconder parte do dinheiro, mas não podia arriscar, Thiago colocava um vigia observando o movimento e eu sabia que se tentasse algo eu sofreria algum tipo de castigo, já tinha visto acontecer.
Percebi que não conseguiria ir embora, na verdade até tentei... mas para o meu desespero, Thiago me pegou e me avisou que tinha dívidas a tratar com eles e que iria trabalhar até quitar.
Mas se algo eu sabia fazer, era fugir.
Eles sempre deixavam um vigia noturno para a "proteção do grupo" e eu já havia notado que em um determinado momento da noite ele levantava e ia fumar, ele ficava a uma distância considerável e vi ali minha chance.
Em uma noite, quando todos já estava dormindo, tomei coragem e decidi colocar meu plano em prática.
Esperei longas horas até o vigia levantar e dar sua rotineira caminhada para fumar, foi nesse momento que levantei sorrateiramente e abaixada fui até um ponto onde ele não me veria, dali, corri o tão longe que meus pés aguentaram me levar.
Depois de minha fuga eu já não parava mais em um só lugar, sempre dormia em locais novos e evitava a todo custo lugares onde meu antigo grupo frequentava, mas eu sabia que cedo ou tarde esse encontro ocorreria, eles não iriam parar de me procurar.
E foi exatamente o que aconteceu.
Flashback
14 de Junho de 2018
Estava perdida em pensamentos, mais um dia se passava e minha vida continuava a decair. Não percebi a movimentação estranha que se desdobrava na rua e quando tornei a olhar para frente, vi um menino de cabelos loiros me encarando, era Pedro, um dos observadores do grupo qual fui "acolhida", já tarde de mais para me esconder.
- Hey, não é a Luna? - disse apontando para mim. Ao ouvir meu nome, outros três homens viraram a cabeça em minha direção, reconheci Thiago e vi o sorriso maldoso que se apossou dos seus lábios, tremi dos pés a cabeça.
Minha única reação foi a de correr, mas quando dei um passo para trás acabei por pisar em falso e consequentemente caindo no chão, um moreno meio malhado andou rápido em minha direção e me puxou contra seu peito, me empurrando na sequência contra a parede mais próxima, todo meu corpo doeu com aquele choque.
- Luna, querida... quanto tempo, não? - Thiago diz ao chegar próximo do moreno - achou que estava livre? Que iria conseguir escapar de nós? - soltou uma risada e alisou meu queixo - Não sei se você se lembra, boneca... mas tem uma dívida pendente - sentia meu coração batendo desenfreado no peito.
- por favor... - foi a única coisa que consegui dizer. Senti um gosto salgado em minha boca e percebi o mar de lágrimas que decia em minha face - eu tenho dinheiro, podem levar, eu pago... por favor... - meus soluços se tornaram fortes.
- tsc, tsc, tsc - ele estalou a língua - oh boneca, não quero seu dinheiro. Você merece uma lição, não é rapazes? - vi um sorriso muito familiar surgir em sua face.
- Ei, seus covardes, soltem a moça! - Um rapaz nos roubou a atenção, era alto e usava roupas esportivas. Vi que fechava seus punhos com força e lançava um olhar intimidador aos garotos.
- hey cara, não há problema algum aqui, só estamos botando a conversa em dia, não é Luna?? - disse Pedro soltando uma risada, o amigo dele que antes me segurava agora se encontrava do meu lado esquerdo friccionando algo pontudo em minha barriga me obrigando a confirmar.
- viu, cara? Não há com o que se preocupar - o cara alto ainda os olhava desconfiado, seu olhar parou em mim e tentei a todo curto emitir um único sinal.
- tudo bem - o rapaz confimou com a cabeça - eu vou indo... - ele disse enquanto começava a seguir seu caminho.
Foi só uma questão de piscar de olhos e vi que Pedro estava no chão com as mãos sobre o nariz que sangrava muito, um deles tentavam ajudar o amigo, enquanto o rapaz que a segundo atrás me segurava tentava acertar um soco no cara desconhecido. Thiago havia assumido seu lugar me segurando pelo braço enquanto via a briga se denserolar na sua frente. Com um movimento rápido o desconhecido deu um soco na barriga do cara e quando ele se curvou o prendeu pelo pescoço.
- Se eu ver vocês novamente na área... não terão tanta sorte, estão escutando? Se voltarem a encostar um dedo na moça, caço vocês! - o rapaz disse em um tom autoritário. Ele soltou o moço que estava preso em uma chave de braço e tirou um distintivo do bolso.
Olhei para os meninos que o fitavam assustados, na hora Thiago me largou e assim como seus comparsas não perdeu tempo, foram embora correndo.
- está tudo bem senhorita? - ele anda em minha direção. Agora sustentava um tom de voz suave e gentil.
- Eu... eu... - comecei a chorar, me deixei desabar no chão, eu estava exausta!
- hey, pode chorar, isso alivia... Mas não se culpe, existe vários babacas como esses e bom, é meu dever fazer a diferença, certo? - se abaixou para poder fitar melhor o meu rosto - Olha, eu moro aqui perto e aposto um sorvete que está com fome e sede - me lança um belo sorriso. - Qual o seu nome, senhorita?
- Luna, me chamo Luna - disse sussurrando.
- prazer Luna, me chamo Michael - disse sorrindo me estendendo as mãos.

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Luz Luna
Romance"Porque você se foi mamãe ? papai precisava de você aqui. Eu precisava..." Luna se vê perdida sem ter em quem se apoiar após a morte de sua mãe, seu pai que era o seu porto seguro, passou a ser o seu abismo. Seus dias passaram a ser escuros, dias...