Ultimato

15 3 0
                                    

|Ágatha|

Sua consciência retorna aos poucos, seus sentidos ainda não respondem. Sua mente volta aos últimos registros antes dela se esvair. O carro que ela conduzia estava em alta velocidade, a chuva fina caía deixando tudo mais frio e escorregadio. O sons de sirenes, indicava que a polícia estava na sua cola. Ela lembrava que estava embriagada, e junto com seu amigo, gargalhava e gritava enquanto tentava despistar as autoridades. Depois disso suas memórias não são claras. Estaria morta?

- Senhorita? Você consegue abrir os olhos - uma voz grave lhe atingiu, como se dependesse de um estímulo, seus sentidos retornaram, sua audição captava sons de máquina, seu olfato fora atingido com o clássico odor de antisséptico hospitalar.

- Estou morta? - ela sabia a resposta, mas precisava de uma confirmação. Tentou abrir os olhos mas a luminosidade os machucou.

- Não.. - a voz masculina respondeu vagamente. Suas pupilas enxergavam o teto branco e iluminado, observou em volta, viu um médico, provavelmente o dono do timbre grave, seu cabelo loiro estava manchado por fios cinzentos, atrás dele estava a pessoa mais importante para ela, sua mãe.

O rosto belo e jovial, que lhe dava um ar de juventude, estava marcado por uma mistura de desgosto e preocupação. Os olhos cor de mel que ela tanto queria herdar, estavam vermelhos e com bolsas. O cabelo curto castanho escuro estava bagunçado, as roupas simples da mulher estavam amassadas e repuxada.

- Iremos fazer alguns exames, e ela provavelmente terá alta! A senhora já pode avisar o Delegado Kyle! - o médico fala a mulher e ambos saem deixando Ágatha sozinha, pelo o olhar da sua mãe sabia que tinha ido longe demais desta vez.

O caminho para a casa foi silencioso, o único som era o do motor da velha picape verde. Pelos retrovisores a jovem viu sua cabeça enfaixada e alguns curativos pelo rosto e corpo.

Quando chegaram em frente a velha casa, a rua está pouco movimentada, como naturalmente é no subúrbio da movimentada Gold Coast. A Australia é um ótimo lugar para viver, ela amava o surf e todas as outras coisas que esse lugar fornece.

Ágatha demora entrar pois se perdeu na vista. Já na sala escura ela nota a mãe, com o olhar fixo, vazio e molhado por lágrimas, que são refletidas pela luz do televisor mudo. Em passos calmos e lentos, ela se aproxima da mãe.

- Mãe? Não chore! Me perdoa, eu juro que... - é interrompida por um levantar de mãos. A mulher mais velha, a olha enxugando as lágrimas.

- Chega... Chega de desculpas, chega de juramentos... Ágatha, eu acreditei muitas vezes quando você me prometeu que não erraria mais, porém eu vejo que, perdi o controle sobre você. Drogas, brigas, e acidentes, até agora eu ignorei tudo, mas acontece que saiu do controle, você teve a sorte de não sair do hospital direto para a cadeia... - ela pausa e as lágrimas chegam aos olhos da filha - Eu tomei medidas drásticas... Busquei ajuda com ele e ele quer que você vá morar com ele!

Nesse momento ela queria gritar, e falar para a mãe dela que era loucura, mas a seriedade nos olhos da matriarca a fez congelar. E diante de seu semblante surpreso a outra parecia inabalável.

- Seu vôo sai amanhã, então é melhor eu ajudar você a organizar suas coisas! E mais uma coisa, sobre o Yago... Ele não resistiu e morreu no caminho para o hospital - Nesse momento Ágatha, se sentiu horrível e pior do que qualquer outra vez, ela não sabia que seu amigo tinha morrido, seu melhor amigo, e para piorar teria que morar com a pessoa que ela mais odeia, o seu pai.

|Tomas|

Seu rendimento foi baixo, então ele recorreu a ajuda do pior sujeito da faculdade, Dean, ele tinha resolução para tudo, desde alguém para fazer seus projetos até substâncias para, como ele dizia, "prazer". Mas claro, os serviços não eram gratuitos, e atrasos também não eram tolerados, e Tomas sabia disso.

- Cara, eu já te falei que trago o resto amanhã! - mal terminou de falar e outro soco lhe atingiu no abdômen, com aquele já eram quatro, e provavelmente seria inevitável a dor e o "hematoma".

- Tomas, de amanhã não passa, se você me enrolar de novo eu acabo com você! O seu pai adotivo é rico, não é? Eu sei que ele te dá quanta grana você quiser! - o rapaz loiro e alto parece furioso enquanto aponta o indicador no peito do outro - Amanhã é o último dia!

Tomas morava com pais adotivos, e dois irmãos, um mais velho e uma mais nova. Seus pais biológicos morreram num acidente quando ele tinha 3 anos de idade, foi adotado por sua mãe e ex marido dela, pois ambos eram muito amigos dos falecidos. Mas logo o homem também faleceu por conta de um severo câncer, e sua mãe casou novamente, teve uma filha e desde então os cinco eram uma família.

Ele era o problemático, problemas com violência e drogas, problemas psicológicos como ansiedade, bipolaridade e até mesmo depressão eram característicos dele. Ele não dava valor a vida. Para ele sua existência era escura e sem sentido, só continuava vivo pois não gostaria de ver seus "irmãos" tristes, principalmente a mais nova.

Ele era um bom ator, sabia sorrir ou chorar quando era necessário, sabia fingir emoções e expressões faciais, e ninguém além de seu irmão mais velho, Samuel notou isso. Ele tinha amigos e só com eles agia como quisesse, eles tinham seus problemas, então, podiam pelo menos imaginar como ele se sentia.

Assim que Tomas cruzou o portão da universidade, viu seu irmão parado esperando por ele. Samuel diferente dele era um gênio, se formou cedo e gloriosamente e era professor. Era como se ele tivesse talento nato para tudo, para o mais novo o outro só tinha um defeito, se meter onde não devia.

- Sam, não é necessário ficar me esperando no portão, eu não sou uma criança, eu já tenho 20 anos! - dizia ao irmão entrando no lado do passageiro.

- 20 anos e muita irresponsabilidade! - o mais velho disse rindo - É amanhã não é? Ainda bem que é sábado! Eu estou ansioso! Vai ter mais gente em casa!

- Amanhã ou depois, viagens são complicadas. E diferente de você, eu não tô nem aí, e preferia não ter mais ninguém em casa! - seu tom é uma mistura de desinteresse e deboche. Um silêncio toma o veículo, e num momento que o mesmo dá uma leve chacoalhada, Tomas sente dor e não consegue evitar um suspiro apertado.

- Você fez de novo, Tomas? Eu realmente não acredito! Você tem que acabar com isso antes que isso acabe com você! - sua voz é ríspida, e seus músculos se contraem - Você quer ir ao médico, ou... - ele olha para o outro do seu lado que está indiferente olhando para fora.

- Não preciso de médico! Agora vamos logo para casa, estou morrendo de fome! - seu sorriso era falso, no fundo ele realmente cogitou se precisava ir ao hospital, mas não queria um drama bem quando as coisas já estavam se agitando na família.

LOST SOULSOnde histórias criam vida. Descubra agora