Mágoas

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Ágatha sentia seus músculos doerem. Afinal tinha ficados horas sentada numa cadeira, num avião que ela nem queria estar, saindo da sua Austrália para ir aos EUA dele. Ela imaginou que estariam a esperando com uma plaquinha com seu nome, como nos filmes, mas felizmente estava errada.

Cien Havok, seu progenitor, havia abandonado ela e a mãe, quando a mesma atingiu seus 4 anos de idade. Por muito tempo Ágatha esperou seu pai, imaginando que ele seria um super herói que tiraria toda a dificuldade de vida dela e da mãe, mas o tempo mostra que os vilões são mais propensos a existirem. E todo o amor que ela sentia por ele esgotou, dando espaço a um ódio indescritível.

Por algo que nem ela conseguia entender, estava ansiosa, inquieta. Ela sempre o via ao lado de sua família "postiça" em revistas, e por mais que não gostasse, sempre que via seu reflexo, lembrava dele por conta dos cabelos e olhos negros que havia herdado.

- Com licença, você é a Ágatha Havok? - virou se para a voz masculina. O homem de cabelos marrons, tinha um sorriso gentil no rosto que acabava por ressaltar pequenas marcas de expressão. Ela acenou forçando um sorriso amarelo - Sou Ryan Anders, o Cien está em reunião, então eu vim buscá-la!

- Não se preocupe, já estou acostumada com a ausência dele! - apesar da expressão leve e sorridente, as palavras dela saíram tristes e rancorosas.

As ruas de Stamford chamavam atenção dela, era tudo tão caótico e apressado, a fez sentir saudades de casa e seu coração apertou ao lembrar que não pode ir ao túmulo do amigo dar suas últimas palavras, sua mãe a impediu dizendo que não deveria se atrasar.

Chegaram a um condomínio, era um pouco afastado da grande movimentação e era luxuoso porém nada extravagante. O carro parou em frente a uma casa enorme, para ela aquilo era uma mansão. Aquele lugar era calmo e bonito, observou o jardim e viu que era tudo bem cuidado. "Essa lugar não é para mim" era tudo o que ela pensava.

- Aqui está suas coisas! Foi um prazer conhecê-la, agora com licença, tenho que voltar ao trabalho! - não teve tempo de responder, o homem já tinha se enfiado no Sedan preto e ligado o motor. Após acenar, colocou sua mochila mas costas e apertou firme as alças das duas malas, tudo que trouxe foi roupas, livros, CDs e pequenos objetos dos quais não se separava.

Já de frente para a porta, suspirou pesadamente e acionou a campainha. Quase instantaneamente a porta se abriu, uma mulher de cabelo mediano castanhos, que ela lembrou ser a esposa do seu pai, a recepcionou com um grande sorriso.

- Você deve ser a Ágatha, estávamos te esperando! Sou Marta, é um prazer conhecê-la e bem vinda em casa! - a jovem havia ensaiado várias vezes na sua cabeça como ser rude, para tentar fazer o pai mudar de idéia e ela voltar para Gold Coast, mas a modéstia da mulher, que alisava seu vestido e avental de forma desajeitada, a desestabilizou.

- É um prazer também... - disse baixo, sentindo se corar por pensar em destilar sua mágoa a sua madrasta, que parecia gentil e fora receptiva. Ela varreu o olhar pela sala, cores clássicas, decoração bonita e simples, porém podia ver que tudo ali era caro. Num dos sofás, um rapaz de cabelos negros e compridos mexia em seu celular, ele parecia desatento a tudo, para Ágatha estava escrito na testa dele: Problema!, as roupas dele, faziam jus ao estilo levemente "sombrio" dele, e ela não pode evitar de achar parecido com o seu próprio.

- Mãe, você acha que ela gosta de chocolate? Fizem... - um outro rapaz que é o retrato de Marta aparece, ele congela quando a vê, seus cabelos curtos e espetados o deixam com certa seriedade, e provavelmente ele é o filho mais velho. - Por que não pergunta diretamente a ela? - Marta coloca uma mão sobre o ombro da morena - Aqui querida, me deixe levar suas malas para o seu quarto enquanto você conhece seus irmãos!

- Não precisa eu posso fazer isso... - ela tenta falar mas a mulher já está com suas malas e apenas sorri gentilmente, esticando o braço para puxar a mochila de si - Relaxe um pouco o vôo deve ter sido cansativo! - e falando isso ela começou a sair levando a bagagem da jovem junto!

- Não liga para a mamãe, ela é meio animada demais... Aliás, eu sou o Samuel, estava ansioso para conhecê-la! - a jovem nem tinha notado a aproximação do outro. Ele sorri enquanto estendia a mão, que ela demorou um pouquinho para apertar.

- Sam, eu já acabei de... - ambos olharam em direção a voz, uma garota que agora encarava a Ágatha com olhos vidrados e um sorriso enorme estava ali. Ela provavelmente não tinha mais que 12 anos e parecia muito com a recém chegada. A menina avança correndo e dá um grande abraço na mais velha que quase é jogada para trás, pela altura de ambas, os braços da menor estão em volta da cintura da outra e sua cabeça apoiada em seu abdômen, essa por sua vez retribui o abraço, sentindo algo dentro dela se aquecer, aquela garotinha era filha do Cien e da Marta, então ambas eram verdadeiramente irmãs.

- Estou tão feliz que você chegou, sempre quis te conhecer! Você é bem mais bonita pessoalmente! - a mais velha não processou totalmente suas palavras, apenas pode rir baixinho sentindo suas bochechas esquentarem mais - Anne, se controle! - a voz do Samuel saiu divertida.

- Aquele alí, é o Tomas! - ele diz apontando para o sofá - Ele é tão antisocial e quieto que eu tô começando vê-lo como parte da mobília! - ele diz enquanto desamarrava o próprio avental acertando o outro, que tira os fones de ouvido, antes imperceptíveis. Ele se levanta, e a forma que olha para a Ágatha prova que ele não tinha notado sua presença ali - Oi, gostei da camiseta, acho que deve ter um bom gosto musical! - é o que ele diz se referindo a blusa da AC/DC que ela usava. Quando ela ia comentar algo, o som da porta se abrindo a faz congelar, seus sentidos parecem travar, sua boca ficou seca e seu estômago esfriou.

- Papai! - ela se vira conforme a garotinha a solta correndo em direção ao homem. Após abraçar a mesma, ele olha para a outra filha. O cabelo antes totalmente negro, agora tinha fios grisalhos, e os olhos grandes da mesma tonalidade estavam envoltos a pequenas rugas, seu semblante sério e terno perfeito mostrava que ele era um homem respeitável.

Para ele, aquela era a primeira vez em 16 anos que via a filha pessoalmente, os cabelos pretos dela estavam compridos, ela estava alta, seu corpo já era de mulher, suas roupas casuais e despojadas mostravam seu estilo e gosto musical, a pele levemente bronzeada provavelmente por dias na praia.

- Ágatha! Você cresceu muito! Fazia muito tempo que eu queria te ver minha filha! - ele diz suave, mas para ela aquilo foi falso e repugnante - Não, não queria Sr. Cien, afinal você me abandonou, e, todas as vezes que eu precisei você estava aqui, vivendo sua vida sem se importar com a minha existência! Mesmo longe se seu desejo de me ver fosse tão grande e verdadeiro você iria pelo menos uma vez, mas foram 16 anos que eu vivi sem nem escutar sua voz!

No fundo ela queria só sumir dali, então sem nem pensar ela passou pelo homem trombando com tudo nele, abriu a porta e saiu. Começou a correr, sem saber para onde, e como se fosse uma harmonia aos seus sentimentos, os trovões eram altos e a chuva começou lenta e fina. Continuou correndo até achar um banco onde se sentou e deixou as lágrimas caírem freneticamente.

LOST SOULSOnde histórias criam vida. Descubra agora