prólogo

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MARKUS
24 de março de 2004

Eu estava dentro da minha sala quando escutei algumas vozes do outro lado da porta de madeira escura. Uma delas reconhecia perfeitamente, era da minha exigente secretária que, ao contrário de mim, era bastante inflexível. Tentava me concentrar no trabalho, mas a conversa estava mais acalorada a cada minuto. Levantei-me e fui até a porta, avistando-a, e reconheci Pascal Ramos, claramente irritado. Assim que me viu, ignorou a mulher e dirigiu-se a mim:

— Esta senhora não quer me deixar entrar. — Pascal anunciou, e por sua respiração notei o nervosismo. Ele transpirava além da conta, e segurei a vontade de torcer o nariz.

Estreitei meu olhar em sua direção, não precisando ler a sua mente para saber o assunto do qual gostaria de tratar. Na verdade, estava cansado de ouvir a mesma coisa há meses. Mesmo assim, assenti, permitindo que a secretária o liberasse. Pascal entrou na sala logo atrás de mim, fechando a porta com uma força maior do que o educado. Sentei-me em minha cadeira e esperei que começasse a falar.

— Você a engravidou! — Soltou, deixando clara a sua irritação. Não me importei, afinal, como nos últimos meses. O que me deixava bastante surpreso, na verdade, era ele saber disso. Éramos grandes amigos antes de Pascal se apaixonar por Lilian. Mesmo assim, já fazia um tempo que não conversávamos.

Continuei o encarando, sem afirmar ou negar o que acabara de falar. Minha expressão não demonstrava muita coisa, o que o deixava mais irritado. Pascal não era difícil de ler, para ser sincero. Suas feições demonstravam abertamente o que pensava, até mesmo quando não tentava transparecer tanto assim, o que era burlesco.

— Diga alguma coisa! — Grunhiu, e notei as veias de seu pescoço saltarem. Eu até mesmo conseguia ouvi-las, junto às batidas de seu coração. Para mim, era tão alto quanto escutar a buzina de um automóvel.

Não havia um único sentido humano que um ser como eu não notasse. Algumas vezes, era irritante, pois não tinha como disfarçar. Alguns cheiros eram simplesmente insuportáveis. Como por exemplo, o de azeitona. Ainda não entendia como tantos humanos conseguiam gostar dessa coisa.

— Não vejo como isso lhe diz respeito, meu amigo. — Finalmente me dirigi a Pascal. Ele não passava de um humano. Fraco. Patético. Se fosse um ser como eu, provavelmente eu o enfrentaria de igual para igual, porém estávamos longe de ser isso. Com muita facilidade eu o mataria e teria que viver com este fardo, junto com todos os outros. Mas Pascal se preocupava com Lilian e eu podia ver isso. O que ele não sabia, no entanto, era o que ela significava para mim.

No momento em que a vi pela primeira vez, eu senti. E tinha certeza que Lilian sentira também. E foi por isso que o plano do meu irmão deu certo, afinal. Porque eu não fui forte o bastante para dizer não. Porque eu não fui homem para não a machucar.

— Você a roubou de mim! — Pascal esbravejou, chamando por minha atenção quando deu dois passos à frente. Eu não queria o ferir, mas se continuasse a me testar, era o que eu faria. A paciência ainda não era o meu forte, mesmo que eu tentasse há milênios compreender as atitudes humanas e inumanas.

Fechei meus olhos com força, respirando fundo. Tudo o que eu precisava era contar até dez. Não tinha que dar explicações a um homem tolo. Não havia motivos. Mas a cada grito seu que ecoava pela sala — provavelmente chamando a atenção da secretária e de qualquer outro aluno ou funcionário que resolvesse passar por ali —, deixava-me mais irritado. E isso não acabaria bem para ele.

— Eu não a roubei de você, Pascal. — Comentei, tentando manter a voz calma, mas falhando miseravelmente. — Eu a amo. — Após dizer isso, senti o gosto amargo em minha boca. Não por ser mentira, mas por saber o que eu precisava fazer.

O Despertar - A Profecia Deekan #1Onde histórias criam vida. Descubra agora