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SARAH
29 de agosto de 2021

— Eu não sei do que você está falando. — Brinquei, sabendo que era mentira.

Na noite anterior eu havia dito, ou melhor, prometido que a levaria para o parque, já que alguns de seus colegas da escola estariam lá, mas eu estava com muita preguiça de levantar da minha cama aconchegante.

Seus pequenos olhos castanhos me observavam com aquele jeito manhoso, e eu sabia exatamente o que ela estava tentando fazer.

— Daqui a pouco vamos, então. — Acabei me rendendo. Julia não desistiria tão fácil assim.

— Promete? — Abriu um sorriso enorme nos lábios pequenos e finos. Ela me fazia prometer tudo.

— Prometo, formiguinha. — Comprometi-me.

Seus braços finos esmagaram meu pescoço, e seu cabelo castanho curto e liso — diferente do meu que era bem comprido e cacheado — fez cócegas em meu nariz, arrancando uma risada minha. Em seguida, Julia partiu em direção ao corredor, sem dúvida para arrumar suas coisas.

Ela era muito avançada para a idade, além de muito obediente. Desde muito nova eu nunca precisei pedir mais de uma ou duas vezes para que parasse de fazer algo que não era correto. E pelo o que eu podia ver, isso era raro com a maioria das crianças de sua idade.

Minha outra irmã, Luna, ao contrário de muitas adolescentes de quase quatorze anos que adoravam se maquiar e se exibir para os garotos, gostava de ficar trancada em seu próprio quarto o dia inteiro. Toda semana chegava alguma coisa do correio e ninguém podia receber ou abrir o pacote, somente ela. Eu já não tinha certeza se eram coisas lícitas ou não, mas de qualquer forma, se não me prejudicasse — ou à Julia — não ligava para o que ela fazia ou deixava de fazer. A minha irmã do meio enclausurada deixou de ser minha responsabilidade quando me empurrou da escada e me fez quebrar uma perna apenas por ter tentado entrar em seu quarto. Eu apenas virei a maçaneta, nada demais. Desde então, conversávamos o básico do básico.

Desci para a sala alguns minutos depois, pronta para sair com Julia, que já estava com a mochila pendurada em suas costas, como havia imaginado. Marisa, uma senhora de cabelos brancos e corpo rechonchudo que criara a mim e minhas irmãs, seguiu-nos até a porta. Ela era o mais próximo de mãe que eu possuía, e chamava-a de Isa, carinhosamente.

— Não vão comer nada? — Questionou, com o cenho franzido.

— Não estou com muita fome. — Dei de ombros. Julia parou um pouco para pensar.

— Eu também não. — Dobrou o lábio, tentando não rir. Eu conhecia aquela feição e sabia que estava planejando alguma coisa. Despedimo-nos da idosa com um beijo no rosto e saímos.

O parque ficava a uma boa distância de casa, e ainda que estivesse calor, eu gostava de caminhar um pouco. Contudo, Julia não parou de tagarelar por um único segundo e, por um momento, fiquei arrependida de não ter ido de carro.

As ruas eram pavimentadas e repletas de casas coloridas, uma das poucas coisas que eu gostava nesta cidade, além do céu constantemente azul. Eu tinha o desejo de me mudar para Boston após terminar o Ensino Médio, porém só de pensar em ficar longe de minha irmã caçula a ideia se tornava quase nula.

Apesar de já ter comentado sobre isso com minha mãe e Marisa, elas viviam dizendo que eu mudaria de ideia. No fundo eu sabia que não tinha direito de reclamar da minha vida privilegiada, mas a ausência da minha progenitora me fazia pensar que ela não se importava em nos ter por perto, então eu não estava presa àquela cidade, certo? Exceto por Julia. Eu entendia que Lilian precisava viajar o tempo todo a trabalho, pois sua função de promotora de eventos exigia isso. De qualquer forma, eu sentia a falta dela o tempo inteiro, pois mesmo quando estava em casa, parecia não estar.

O Despertar - A Profecia Deekan #1Onde histórias criam vida. Descubra agora