Obsidiana - Capítulo IV

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No caminho para a escola, tentei pensar em algo que pudesse dizer ao Levi sobre toda aquela história da minha família, dos ciganos, enfim, da coisa toda. Com certeza ele iria perguntar, mas não estava mais com cabeça para voltar naquele assunto. Minha mente não conseguia se afastar do muro desde que eu estive próximo dele na tarde anterior. Também não parava de pensar na discussão com a mamãe - sou o tipo de pessoa que discute e depois fica com a consciência pesada, estando certo ou não-. Na falta de uma boa desculpa, tentei ao menos colocar um sorriso no meu rosto que o convencesse de que estava tudo bem.

Entrei na sala só quando a aula estava prestes a começar; não dava mais para ficar pelos corredores. Felizmente, aquela manhã começaria com a aula da Profª Bloise. Eu não era o tipo de pessoa que agradecia por assistir aula, mas naquela situação ela era bem-vinda. Entrei na sala e sentei junto ao Levi, que rabiscava alguma coisa no caderno para matar o tempo.

- Você está melhor? - perguntou, levando o olhos do caderno a mim.

Olhei-o sem entender muito bem a pergunta.

- Estou sim... bem melhor.

- A sua mãe avisou que passei por lá ontem?

- Ah, com certeza ela me avisou.

- Está tudo bem com você mesmo? - perguntou, franzindo a sobrancelha.

O Levi tinha uma capacidade absurda de decifrar qualquer pessoa; era como um sexto sentido. Mas quando se tratava de mim, ele era ainda mais sagaz. Éramos amigos há muitos anos. Ninguém me conhecia melhor do que ele.

Acenei que sim com a cabeça. Ele preferiu não insistir.

Logo no início da aula a professora pediu para que a turma organizasse as bancas em um semicírculo para que todos pudessem se olhar enquanto cada dupla apresentasse os resultados que encontraram das suas pesquisas sobre a história da cidade. Em seguida, ela pegou uma caixinha com os nomes das duplas para sortear qual começaria a falar. Obviamente fomos os primeiros; esse tipo de coisa só acontece quando a gente não quer.

- Daniel e Levi, meus amores - ela chamava todo mundo de "meu amor", era bem engraçado, principalmente porque falava de forma esquisita, com um sotaque diferente, embora fosse venturana. Sabe-se lá porquê ela falava daquele jeito; de toda forma eu adorava seu sotaque, era bem chique - , o que vocês conseguiram descobrir nas suas pesquisas?

- Bem... nós... nós achamos uns jornais da época em que os ciganos chegaram aqui, mas não encontramos muita coisa - Falei-.

- Isso mesmo - interrompeu Levi -, e a maioria dos artigos vão até a época do acidente que houve no jubileu da cidade, todos acusando os ciganos de terem provocado o tal acidente. Bem a cara da nossa imprensa ficar do lado de quem convém.

- Pois é, e depois que construíram o muro, foi como se eles tivessem deixado de existir.

De repente o Ariel, filho do juiz Ethan, interrompeu - Então vocês defendem aquela gente? Concordam com o que eles fizeram? E as pessoas que morreram no acidente? Os ciganos são o quê, vítimas agora?

Aquele garoto me dava nos nervos! Ele era um daqueles tipos valentões clichês, só que ainda mais burro. Era um tanto mais alto que o restante da turma, cabelos claros e ombros largos. Era até um garoto bonito, isso eu tenho que concordar, mas só quando não abria a boca. Porque quando ele abria a boca era para se gabar entre os rapazes de como ele era bom com as meninas. Era um exibido! A popularidade que tinha era só por causa do seu pai, por causa da maldita veneração que a família dele recebia na cidade. Por isso ele era o intocável da escola. O Levi e eu fazíamos as piadas mais maldosas possíveis sobre ele, não na frente dele, óbvio, mas não acho que ele as entenderia se ouvisse. O Levi era bem pior do que eu nas piadas; falava sem dó do cabeção que ele tinha, que parecia não servir para muita coisa.

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