Depois de várias horas sentados no carro, paradas em postos de gasolina, sentar nas cadeiras dobráveis, comer a comida que trouxemos desde casa começamos a ver os sinais de que estamos chegando perto.
-Mamãe, ainda falta muito? - a pequena Lia perguntou se esticando tentando mudar a posição que estava sentada.
Ela riu antes de responder e Jonas se apressou a fazer uma observação sobre a pista vazia, os buracos enormes e poucos carros. Fora o calor que só aumentava de hora em hora.
-Isso só pode dizer que estamos chegando. Se não for isso não chegamos mais. Já cansei até de dormir.
-Estamos perto sim, daqui uma meia hora devemos chegar nas aldeias. Agar, você já separou as moedas?
Eu não tinha preparado nada, então só ensaiei um sorriso e comecei a mexer na bolsa e no porta moedas pra separar algumas.
●
Depois de passarmos pelas aldeias a expectativa aumentou e passamos a procurar a cidade por trás dos montes. O sol alto nos lembrava também que era hora de almoçar, mas estando tão perto um almoço deveria estar esperando por nós lá. Eu estava pensando tão intensamente nisso que falei sem pensar:
-Espero que tenha arroz com milho e frango frito.
-Você precisar sonhar mais alto, Agar. - Jonas falou com um tom de provocação - Espero que tenha arroz com pequi.
Quando ele terminou de falar eu, minha mãe e Joana fizemos um coro um som de repulsa, algo como "méh". Joana logo gritou encostando o dedo em uma das folhas da estampa do vestido laranja com flores azuis.
-Peguei no verde, a sorte é minha.
E minha mãe deu uma buzinada dizendo "peguei no branco, a paz é minha".
-Nunca entendi pra que serve essa coisa de pegar nos cores. - Lia falou quase brava, ela não é uma criança que se contenta enquanto não entende alguma coisa. Aprendeu a ler rápido e logo quis exercitar lendo gibis e mais tarde livros com poucas figuras.
-Ah, filha, é uma brincadeira só. Não precisa fazer sentido... - depois de alguns segundos completou - Não se preocupe com isso, olha ali a boiada atravessando a pista.
Todos nós tiramos os olhos dos celulares, livros e janelas para olhar pra frente procurando ver aqueles animais. E eram centenas deles, uns branquíssimos, e alguns um pouco mais amarronzados. Entre eles e também a frente cinco homens cada um em um cavalo tentando conter o bando e abrir caminho pra o carro.
Lia estava encantada, com os olhos bem abertos, com a boca entreaberta e olhando pela janela em que Joana estava disse:
- Uau, nunca vi tanto boi assim. Nem sabia que eles eram tão grandes... Nana, não tem vaca aí não?
- Tem, olha ali atrás do moço! - apontando para uma vaca branca de manchas marrons.
Terminamos de passar pela boiada e as meninas continuaram tentando ver os bois olhando pra trás. E eu fiquei pensando em como devia ser a vida assim cuidando de boi, tirando leite, cozinhando na lenha, fazendo doces e queijos, família grande... Não deve ser fácil viver com tanta simplicidade.
-Mãe, a senhora e meu pai já pensaram em viver por aqui mesmo, na roça?
Ela franziu o cenho e respondeu com a cabeça inclinada para a esquerda.
-Ah, pensar a gente até pensou, mas era tão difícil ter oportunidade de estudar e viver de outro jeito que quando apareceu a gente agarrou e fomos em busca disso... Deus nos levou pra lá e crescemos de um jeito e conhecemos a Cristo de um jeito que talvez nunca percebêssemos se não tivéssemos ido para um lugar diferente e ter sofrido um pouco.
Quando ela terminou de falar Jonas se apressou em perguntar algo que parecia entalado a muito tempo.
-Então se a gente quiser viver assim não tem problema?
-A gente precisa pensar bem, mas se você tiver um bom plano não tem problema.
Uma curva depois começamos a entrar na cidade. E Lia desabafou um "ufa!" cheio de energia.
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O Mundo Escondido na Casa da Vovó
FantasíaNuma viagem mal programada quatro irmãos descobrem um mundo fantástico no coração do Maranhão.