À luz da manhã

Parte I Capítulo 1

Os meus olhos ardiam ao sol, com certeza realçando sua cor castanha escura, assim como meus cabelos. Olhar pela janela do quarto para a área coberta de grama do quintal era um hábito diário para mim. Relembrar o passado também. Minha mente passeava pelo que eu conhecia da história do Estado como uma lembrança de nunca esquecer os meus objetivos, e aquela manhã, por mais uma vez, eu revisava tudo.

Logo depois da queda do governo democrático mais fadado ao fracasso que existiu veio então a ideia da neo-democracia, um governo que mudaria tudo o que já fora plantado pelos governos anteriores. O poder era totalmente do Estado que, desde então, abdicara as diversidades e chamava sua população apenas de cidadãos.

Qualquer um que fosse contra o sistema criado pelo Estado novo era descartado e expulso dos seus limites. Isso quando tínhamos notícias do que lhes aconteceu. Por várias vezes simplesmente eram lançadas notas que informavam a traição e em seguida vinham as propagandas das novidades tecnológicas que o sistema tinha para oferecer às pessoas que se mantivessem fiéis.

Naquela manhã de segunda-feira, início de primavera, saímos Mariana e eu para nosso trabalho. Eu era até então professor de matemática na faculdade do Estado e Mariana de ciência política. Porém, ao chegarmos, recebi a notícia que mudou completamente o rumo do meu dia.

- A partir de hoje você não mais dará aulas para nós professor. O reitor chegou cedo anunciando isto – disse-me Poliane, uma das minhas mais dedicadas alunas.

- Eu não entendo o porquê disso professor. – Falou Rodrigo. – O senhor já sabia?

Com um sorriso sarcástico no rosto, Daniel, nosso reitor, eleito pela maioria dos votos dos professores se aproximou do pequeno grupo que formávamos ali.

- Professor Gabriel – me chamou o reitor. - Como você é admirável, professor. Alunos, funcionários e professores lhe admiram muito sabia? – Destilou ele ironia. - Porém tenho algo contra você. Sei que você é matemático, gosta de estudar a humanidade, sua história e faz uma correlação entre história e as ciências exatas, não é verdade? Mas Gabriel, - disse me chamando de canto, como quem conta um segredo – você sabe que em nossa universidade estudam filhos de pessoas muito importantes, não sabe? Sabe também que a realidade não é como um cálculo qualquer. Mas algumas pessoas se sentem muito incomodadas com sua presença sendo professor de seus filhos, pois eles chegam em suas casas dizendo que você critica o Estado e o sistema no qual vivemos e convivemos no nosso dia-a-dia.

Eu ainda não compreendia aonde ele queria chegar. As minhas criticas ao sistema, e ao Estado não eram novidade, já acontecera no passado. Minha preocupação não era diferente: fome, violência, corrupção, educação, segurança pública e etc, tudo o que o Estado acobertava com sua neo-democracia perfeita. Eu me preocupava de igual modo com as coisas que as pessoas um dia já se preocuparam, não entendia o porquê daquela conversa toda.

- Reitor, eu me preocupo com a sociedade. Eu não entendo porque eu incomodo os pais desses alunos.

- Enfim professor – ele prosseguiu. - Para evitarmos atritos entre nossos pais e o senhor, em reunião com o conselho dos professores resolvemos que a partir de agora você não fará mais parte dessa universidade, é algo provisório, só até você organizar suas ideias e ver onde está errando e se reajustar ao sistema. Sabemos que você é inteligente o suficiente para compreender que está completamente errado. Não diremos aos alunos que você não é mais professor, até porque há muitos deles que gostam muito do senhor, no entanto, diremos que você foi afastado e quando eles começarem a se acostumar com a ideia de não o terem mais entre eles, notificaremos nos murais quem será o novo professor das suas matérias. Mas como disse, é apenas algo provisório.