- Foi horrível, Gabriel. Eles pareciam carros de corrida atrás de um inimigo. Parecia que nós estávamos em uma fuga, e o inimigo parecia estar em nosso carro, eles queriam nos atacar, nos levar, não sei nem dizer. Só sei que quanto mais eu pedia para o motorista acelerar, mais eles aceleravam atrás. O rapaz ficou extremamente assustado.
Pedi que Mariana me contasse tudo detalhadamente, com calma, as palavras saíam da boca dela sem muito nexo. Esperamos que não fosse à presença do nosso filho, que estava com seu coração ainda aceleradíssimo. Depois de almoçarmos aproveitamos que naquela tarde ela não daria mais aulas e sentamos no escritório. Jonatas subiu para o quarto e ficou lendo um gibi que nós tínhamos lhe dado no seu aniversário. Era uma história em quadrinhos onde o super-herói era um jovem que desejava que sua vida fosse diferente de tudo o que acontecia, vivia em um mundo utópico e perfeito, como ele imaginava.
- Era um carro preto, blindado. Logo que cheguei para buscar nosso filho percebi que havia um veículo estranho próximo demais da escola. Meus sentidos logo se aguçaram e eu fiquei atenta a qualquer movimento estranho que acontecesse por ali. Perguntei a uma das professoras se aquele carro era de algum pai ou se seria de alguém que trabalhasse na escola, ela me respondeu que não, e eu a alertei para tomarem cuidado com as crianças. Saí normalmente com nosso filho, e fomos devagar pela rua até conseguirmos um veículo de locomoção.
Mariana estava tensa. Ela me disse que mais à frente percebeu que o carro preto seguia-os e que estava perto demais. Depois de pedir ao motorista para acelerar pela via, que estava com pouco movimento, ela percebeu que eles também aceleraram. Entrou em desespero. Quanto mais o motorista acelerava o carro, entrava em uma rua e outra, eles seguiam atrás.
Após beber dois goles d'água, Mariana prosseguiu.
- Eu fiquei com a cabeça a mil naquele momento. Gabriel, minha cabeça está zonza até agora.
Abracei a minha esposa com muita força. Eu não sabia o que poderia acontecer comigo se acontecesse algo com ela e nosso filho naquele dia. Ela continuou dizendo que eles a seguiram até quando uma viatura policial se aproximou deles e os parou; com certeza eles estranharam aquele carro.
- Eu não me perdoaria se acontecesse algo com vocês. Eu deveria ter ido buscar vocês dois. É isso que vou fazer de agora em diante. Vou leva-los e trazê-los de volta todos os dias para casa. O meu maior medo é de vocês terem que se privar de viver o que gostam por causa desta situação.
- Privados nós já estamos, Gabriel. Você não tem culpa de nada disso. Eu escolhi viver com você. Nós estamos na berlinda com você, e pior, correndo o mesmo risco. Eu só preferiria que não fosse desse jeito e tão rápido assim. Se voltar contra o sistema é assinar a carta de sentença de morte. Nós três já assinamos.
Ao finalizar sua frase, Mariana deu um leve sorriso. Ela estava sentada de frente para a porta do escritório, e nosso filho acabara de entrar e ficar parado diante dela. Seus olhinhos estavam cansados, talvez por causa daquela perseguição toda.
- Fique tranquilo, filho, papai vai cuidar muito bem de você e de sua mãe, vou proteger vocês dois. Mas não chegue mais perto dos portões da escola antes que eu volte para lhe buscar. Não fale com estranhos e muito menos os cumprimente. Você não precisa se isolar dos seus amiguinhos, mas prefira ficar dentro da sala Jonatas, é para sua segurança.
Vi nos olhos do meu filho o questionamento: "Quando tudo isso vai passar?". Meu coração estava sem rumo, sem sentido. Aquelas pessoas não tinham misericórdia nem de uma criança.
Chegou à noite pusemos Jonatas na cama cedo. Colocamo-lo em nosso quarto, pois achamos mais seguro que ele dormisse conosco. Para nossa surpresa Joel chegou assustadíssimo à nossa casa. Com olhos quase tão apavorados quanto os de Mariana e Jonatas quando eles chegaram mais cedo.
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À luz da manhã
General FictionEm uma manhã aparentemente como as outras o professor Gabriel vai para o trabalho e recebe a sua pior notícia: não exercerá mais a sua profissão. Em um sistema pós-democracia falida, o Estado domina tudo e a todos e os considerados seus inimigos são...