Aos teus pés (Caps Para Degustação)

Capítulo 1 - Marina

Eu sonhei com esse momento várias vezes durante os últimos anos. Perdi as contas de quantas vezes acordei suada no meio da noite imaginando estar dentro desse ônibus que vai me levar para longe do inferno que é a minha vida. Agora não tem volta. O motorista já fechou a porta e os passageiros estão todos dispostos em suas cadeiras, aguardando o veículo arrancar. Olho pela janela, enxergando pela última vez a pequena rodoviária de Sacramento sumir das minhas vistas, e cada uma de suas ruas que vão ficando para trás me dão medo e ao mesmo tempo esperança. É por eles que estou fazendo isso, eles têm de saber que é. Um dia, quando tudo for como eu sempre sonhei, eles vão me agradecer. Talvez não o infeliz do meu pai, mas quem se importa com o que ele pensa?

A única coisa que me deixa de fato tranqüila, é saber que a Lu está lá me esperando, porque deixar tudo o que você é e tem para trás, sem ter o mínimo de apoio moral, deve ser mais difícil que qualquer coisa nessa vida. Talvez eu seja previsível e ele vá me procurar justamente lá, mas talvez ser óbvia seja a saída mais sensata. Luciana, minha amiga e ex-vizinha desde que foi morar na capital, tem sido tudo o que eu tenho ao meu lado nesses últimos tempos, tirando, claro, minha ex-professora, Judith. Minha mãe apesar de ter se esforçado muito para que as coisas fossem diferentes, no fim das contas sempre se rende ao que ele quer, então a situação foi ficando insustentável.

Não sei por quanto tempo dos meus dias trabalhei como assistente de Judith escondida nos últimos doze meses, fora minhas horas de aula particular em casa. Só sei que cada mísero centavo que recebi por esses trabalhos, eu coloquei em uma caixa de sapato velho que eu escondia dentro do meu guarda-roupa. A calculadora virou minha amiga número um, a gente não se desgrudava. Todos os dias eu fazia contas para ver de quanto mais eu precisava para fazer o que estou fazendo agora, e isso pareceu demorar uma vida toda. Quando se tem pressa de perseguir seus sonhos, a vida parece dificultar às vezes.

Nunca fui para a capital, e a sensação de chegar lá sozinha é ao mesmo tempo reconfortante e assustadora. Sei que é lá aonde as pessoas chegam em busca de seus objetivos, onde as melhores coisas do estado acontecem, onde os famosos circulam, onde a vida de fato tem brilho e luz. Estou tão ansiosa que começo a comer as beiradas das unhas enquanto vejo as placas indicando que estamos bem próximos. Penso também se minha mãe já achou o bilhete que deixei para ela debaixo da tampa do fogão, e se meu pai já xingou-a do jeito idiota de ser dele, falando que a culpa é toda dela. Eu sei, um dia ela vai me perdoar. Ela precisa me perdoar.

Quando o ônibus para na estação rodoviária da capital, mal posso acreditar em tudo o que os meus olhos vêem. São tantas pessoas, tantas lojas ao redor, tantos cheiros, tantos caminhos... Meu estômago se revira com a expectativa. Assim que desço do ônibus com a minha mochila velha e aguardo para pegar a minha mala, uma sorridente e afobada Luciana acena para mim, dando gritinhos escandalosos.

_ Mari, aqui! Aqui! – ela abana os braços.

Rio do jeito maluco da minha amiga e puxo a mala pela alça, as rodinhas fazendo seu trabalho enquanto caminho até ela. Nós duas nos damos um abraço apertado e demorado. Eu realmente senti falta dessa garota.

_ Eu nem acredito que você veio, Deus do céu! Sacramento vai ficar virada de cabeça pra baixo pelo seu pai maluco! – Lu me pega em seus braços mais uma vez, depois de me olhar e alisar meus cabelos verificando se eu estou de fato bem.

_ É, eu sei. Nem eu acredito ainda que estou aqui. – dou uma risada abafada.

_ Olha, eu já fiz a minha mãe prometer que não vai contar nada para eles, ok? E ela disse que vai ficar de olho na sua mãe e nos meninos nesse tempo. Eu estou tão orgulhosa de você, amiga! – Lu sorri meio que chorando e meus olhos também ficam marejados.