Capítulo cinco.

231 25 2
                                    

- Professora, eu tô com muita cólica hoje, eu posso ficar sentada? - pedira a adolescente, mesmo que já tivesse vestido o uniforme de Educação Física. A gritaria habitual das manhãs de sexta-feira estava lá, embalando as primeiras horas do dia letivo.

A professora "Rafa", como todos que se sentiam íntimos chamavam, desviou por um momento a atenção da lista de chamada para a menina de pele bronzeada, meio desconfiada. A garota tinha as sobrancelhas apertadas e a boca meio retorcida numa careta muito fajuta de dor, mas resolveu deixar passar, porque ela costumava ser uma excelente aluna, fazendo valer cada centavo caríssimo que os pais pagavam naquele colégio. E além do mais, ela sabia como a menina era um horror no handebol.

- Cólica toda semana, Karla? - a professora perguntou, deixando a prancheta de lado e depositando a atenção no ato de encher a bola que estava meio murcha.

- Ô prô! O Carlos tá dizendo que hoje é só futebol! - Ester berrou do outro lado da quadra com sua voz estridente e a professora expirou o ar de seus pulmões, fazendo Camila rir baixo. Logo em seguida a garota se recompôs, fingindo um gemido de dor muito mal feito.

- É só futebol só na casa dele, Ester. - a professora ruiva gritou de volta e houve uma reclamação vinda de Carlos. - Vamos lá, Karla, quero uma explicação para essa cólica semanal.

Aquela Karla era muito diferente da qual ela seria dali alguns anos. O cabelo era mais longo, quase alcançava a cintura, o rosto ainda tinha os traços infantis e seu corpo era mais esguio, apesar de Karla assumir de que não gostava nem um pouco de fazer exercícios.

- Ah... É que toda semana eu fico naqueles dias, né. - a adolescente encolheu os ombros, brincando com o cordão de seu short. Ela não olhava nos olhos de sua professora. - Meus dias duram muito, professora.

- Sim, sei... Eu deveria conversar com os seus pais, sobre. Talvez uma visita ao médico ajude, hm?

- Não! - Camila engasgou, erguendo as mãos em algum desespero. - Digo, não precisa professora. Semana que vem eu juro que faço todos esses esportes ou a senhora pode me passar uma redação bem grande.

Redações eram mil vezes mais fáceis de fazer, comparando aos esportes no mínimo perigosos que a professora vinha propondo naquele ano. Camila poderia fazer duas, até.

- Eu prefiro que a senhorita se junte a todos nós na aula da semana que vem.

A professora dissera, antes de se afastar da arquibancada e se dirigir ao grupo de alunos da turma para separar uma possível briga pelo jogo. Camila suspirou aliviada por ter se livrado de mais uma aula, subiu até os últimos degraus da arquibancada e ajeitou sua mochila ali ao lado, a usando como um travesseiro. Assim que fechou seus olhos, muitos planos começaram a surgir em sua cabeça, coloridos e confusos, como sempre eram.

As meninas do terceiro ano tinham a convidado para um show no centro da cidade no fim de semana e ela nem tinha falado com os pais, ainda. Na segunda-feira precisava entregar o trabalho de artes que nem tinha começado a fazer. No sábado, queria ir à praia, um luau talvez. Precisava saber se uma de suas amigas toparia dizer que Camila estava dormindo em sua casa para despistar os pais. Domingo ela teria de ir para a missa com os pais, mesmo que ela não tivesse certeza sobre acreditar em algo.

Ela se preparava para ler - ou até arriscar tirar uma soneca - quando uma mão de dedos esguios seguraram em volta de sua canela, a puxando parcialmente.

Ela levantou em um susto, xingando quem quer que fosse.

- Ei, calma. - a garota de cabelos pretos riu e se sentou ao lado de Camila, que tinha acabado de fazer o mesmo. Ela prendia o cabelo em um coque firme e usava um prendedor para segurar os fios juntos. - Só tava brincando.

Gotta Be You. - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora