Quanto a distribuidora, funcionava azeitada, redonda, atendendo os clientes, e as bancas. Contudo o retorno financeiro era sofrível, as exigências impostas pela matriz vinha com prepotência em meio a lorotas.
No passado as pessoas que normalmente trabalhavam como distribuidores eram oriundos da atividade de venderem revistas em bancas de rua, via de regra pessoas de pouca instrução e que passavam a receber uma excelente remuneração e paralelamente se abusados e explorados. Diziam de imediato, amém.
Num certo momento a atividade foi implicando no uso de tecnologia mais complexa o que fez com que pessoas com mais instrução substituíssem os ex distribuidores. Por um lado essa alteração para a editora, profissionalizava com mais qualidade seus serviços, porém, teve um preço pois suas exigências começaram a ser contestadas.
No nosso caso era evidente que as despesas não eram suportáveis para a atividade.
Recordo que, certo dia, ligaram-me e disseram:
-Estamos enviando material publicitário para você providenciar um "outdoor" para a divulgação de uma revista. Respondi:
-Sem problemas, mas por favor me creditem o valor da montagem pois é terceirizado.
-Não, isso cabe ao distribuidor etc...
-Desculpa mas não há como arcar, são valores insustentáveis - respondi, curto e grosso.
Como esse ocorrido, e mais um rio de imposições que já haviam passado sob minha ponte e, sendo eu o elo mais fraco da corrente, como todo distribuidor engolia sapos e mais sapos.
Era praxe desatenderem solicitações feitas, como o envio de maior quantidade de publicações, posto que isso possibilitava o aumento do faturamento e atendia à demanda.
Com o tempo, fui me subjugando a mandos indecentes, pela sobrevivência. Mas já me sentia saturado, foi o que me fez agir como o relatado.
Aumentaram as pressões, no entanto a coisa ia tão mal que pouco me importei. O chute, se ocorresse, doeria, mas, no "the end", concluí que acertei.
Num domingo os nobres representantes da editora se hospedaram no hotel da cidade três e como eu já aguardava acontecimentos, tipo desligamento, e sabendo que sempre se hospedavam no mesmo hotel, pedi ao gerente que me mantivesse informado caso alguém da referida empresa aparece-se por lá.
O próprio me ligou e disse:
-Chegaram e foram jantar naquela pizzaria nomeando-a.
Fui até lá, identifiquei-me. Minha presença causou mal estar. Sentei-me à mesa e, de imediato, fui perguntando se a visita era motivada pela razão que eu já esperava. Na lata, um deles, o menos desconcertado com o que ocorria, respondeu: sim.
Tive a resposta já esperada, e mesmo já ciente de qual seria a resposta, meu sangue subiu. Talvez, mais pela forma como jorrou os demônios daquela boca.
A ética, que ética, matéria desconhecida. Faziam o que faziam com alguma dose de prazer, com a vaidade daqueles que tinham o poder, mesmo que fossem apenas ratos que levam recados. E pior, chegaram sem pré aviso, sem decência. Nada mais do que a mediocridade que prevalece nos dias de hoje.
No dia seguinte, não permiti a entrada deles na distribuidora, e a reunião foi feita fora dela. Alinhavaram uma série de exigências como se fossem eles os donos do meu próprio negócio, que atendia apenas seus interesses e em troca ofereciam migalhas.
Nada do solicitado foi feito, muito pelo contrário, agi pensando nos meus interesses e sendo um conhecedor da regra do jogo que impunham já havia planejado como enfrentaria a tempestade que viria. Era Golias versus David. Penso até, que foram pegos de surpresa, diante da postura tomada ao longo do processo.
Adiantei-me, dei aviso prévio para todos os funcionarios, informei ao locador que dentro de trinta dias deixaria o imóvel, fechei a conta corrente vinculada à editora.
Perante ela e bancas que trabalhavam com material consignado tomei todas as providências, visando minimizar prejuízos, ou evitá-los mesmo porque conhecia os dois lados da balança. Nenhum, com raras excepções, mereciam confiança.
Ocorreram outras conversas com representantes da editora no shopping da cidade; sempre tensas e dificeis. Numa delas, por pouco não avancei o sinal tendo diante de mim um arrogantemente impulsivo que se deliciava com minha situação.
Posteriormente tomei conhecimento que quem me substituiria, como também ao distribuidor da região vizinha, era uma senhora que já atuava na área e comandava uma micro empresa do ramo, sem qualquer prestígio.
Apenas que, poucos meses antes, um sobrinho passara a ser diretor da editora. Puxara meu tapete, mesmo tendo eu levado a distribuidora a uma outra categoria, elevando-a no ranking para ocupar uma posição entre as vinte e cinco que mais haviam crescido no país.
Com ar de poderosa, tendo as costas quentes, ela compareceu, a meu convite, na sede da distribuidora. Tentei negociar a venda de toda a estrutura física, móveis, divisórias, arquivos específicos para a atividade, como também sugeri que desse continuidade à locação do prédio que ocupávamos. Fez pouco caso, como se dissesse "meu maior interesse é derrubar concorrentes".
Dentro do mês, doei tudo para uma instituição de caridade. Fiz acertos com os funcionários e, para minha decepção, três me levaram à justiça trabalhista. Cada um pedia trinta mil reais, no fim, levaram três mil.
Empresa fechada, tudo liquidado, inclusive com a editora. Guardei comigo também um Ás, que era um programa de controle da distribuição desenvolvido por nós ao longo de sete anos de atividade e que poderia em muito contribuir ao desenvolvimento dos trabalhos de quem assumiria. Tentei vender como fiz com o mobiliário e nada. Ela queria me enterrar.
Deixei a cidade abalado, levando comigo todos os documentos, que por bom tempo dormiram no sótão da minha casa. Passados três anos, minha pessoa jurídica foi acionada na Justiça. Tudo considerado improcedente, nem ao menos um quesito foi ganho pelos autores.
E foi assim que ganhei mas não levei, pois perdi um belo patrimônio ao apostar minhas fichas no negócio. O que sobrou foi a certeza de que sempre agi com correção e transparência. Infelizmente, decência e retidão moral não pagam contas.
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MORRI AOS 54 ANOS
No FicciónUma trajetória de vida se modifica sob o impacto do diagnóstico positivo de câncer e suas consequências. Tudo leva o autor, vivendo dentro dessa realidade, a realizar uma viagem em direção ao seu passado, narrando e reavaliando sua história.