2. Vizinhos

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Foi numa agradável tarde de primavera que um casal de vizinhos não aguentou a curiosidade. O nome dele era Renato e o dela Laura, ele era arquiteto e ela designe de interiores, ambos com carreira em evidente ascensão. Estavam planejando um bebê para os próximos anos. Tinham o que poderia ser chamada de vida perfeita: restaurantes legais, final de semana no clube, faziam viagens ao exterior, pediam comidas caras e por aí  vai. Porém o que eles não sabiam - isso por que os filmes nunca contam isso - é que a perfeição é algo tremendamente chato!
Logo, para se distraírem, sempre tinham o hábito de espionar os vizinhos, ver quem traía quem, as brigas e intrigas. Tinham acumulado tanta informação da vida alheia que eles poderiam escrever um livro de mais de quinhentas laudas sobre eles.  Obviamente que quando eles viram o Senhor das Trevas, foi como se tivessem tirado a sorte grande na loteria. Milagrosamente surgira alguém totalmente novo e excêntrico para bisbilhotar! E depois de muito, muito, muito espionar, especular, elaborar várias hipóteses, criar teorias, eles não aguentaram mais. Laura decidiu arranjar um bolo, da qual daria de presente para o novo vizinho, e logo teriam o pretexto perfeito para saber quem realmente ele era.
Tal como foi planejado, tal como foi executado. Ela escolheu um bolo de chocolate, com cobertura de baunilha. Chamou o marido e juntos foram até a casa do mais novo morador do bairro.
Apertaram a campainha.  Esperaram. Ouviram sons de passos se aproximando. A porta de madeira se abriu com um rangido dramático de filme de terror.
Uma figura magra e pálida surgiu.
Silêncio.
O Guardião das Sombras encarou-os como se esperasse que eles dissessem o porquê deles estarem ali. Laura, branca de nervosismo, tomou uma atitude.
– Ah, bom dia, nós somos seus novos vizinhos – ela quase gaguejava. – Eu sou Laura e esse é meu marido Renato. – O homem acenou meio sem jeito.
Ao que o Senhor das Trevas respondeu em um tom completamente polido.
– Saudações, eu sou Senhor das Trevas, Lorde do Mal, Guardião das Sombras, Imperador do Obscuro, Duque da Imundice, Mestre do Medo, Vento Leste e Imperador do Caos. Isso, entre outros títulos honoríficos.
O casal engoliu em seco e trocou um olhar.
– Eh, nós trouxemos esse bolo para você – disse Laura, trêmula. – Eu mesmo que fiz – mentiu ela, que na verdade havia comprado no mercadinho local por um preço realmente baixo, afinal, o produto estava prestes do vencimento.
O Duque da Imundice pegou o bolo e o avaliou com um olhar mecânico.
– Obrigado. Vocês desejam entrar e consumir algum alimento ou bebida, tal como dita a convenção social? – o Senhor das Trevas fez um gesto convidativo, abrindo passagem e indicando o interior da casa.
O casal pode ver por um momento como era por dentro. Tudo por lá era muito escuro e a única luz vinha de algumas velas pretas que estavam em cima da mesa e de alguns candelabros. Crânios enfeitavam as paredes, assim como quadros com imagens de castelos antigos e gente enforcada. Havia um cheiro peculiar no lugar. Terra de cemitério, talvez.
– Acho que nós temos um compromisso – conseguiu dizer Renato
– Curta o bolo! – exclamou Laura em tom de quem se despede.
– Se cuida – acrescentou o marido e o casal foi embora com passos apressados.
O Mestre do Medo fechou a porta, foi até a cozinha, pegou uma faca, um garfo e um prato e comeu o bolo.
Quanto aos vizinhos, eles já tinham muito sobre o que falar.

O Senhor das Trevas Não Vem Trabalhar Hoje [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora