O1🦋"O dia em que voltei a vida".

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Eu me perdi há muito tempo. Simplesmente não era eu.

Não sei exatamente quando isso aconteceu, mas aconteceu. Passei a ser uma garota guiada cegamente pela família, os desejos deles eram dados como meus quando na verdade eu só queria ser livre.

Queria me livrar dos vestidos com cores pastéis, desejava preto, vermelho e azul escuro. Queria me livrar do coque apertado, ansiava pelos meus cachos rebeldes e expostos. Livrar-me de mim mesma, daquela versão que mais era um fantoche do que a verdadeira Analie.

Eu queria, mas todos os dias eu olhava para mim e dizia que aguentaria mais um dia. Então aquele dia chegou. O dia em que não me olhei no espelho, não disse que aguentaria, naquele dia eu estava disposta a ir para a minha liberdade, desistir e me entregar a ela.

Uma alma livre, um fantoche sem cordas, a menina desaparecida. Não importava o que seria depois daquele penhasco, eu queria a liberdade e morreria com ela.

Soltei meu cabelo, me livrei do vestido lilás e me vesti de preto como sempre desejei. Andei até o penhasco da Lua e respirei o ar fresco.

Mas então aquele garoto de cachos rebeldes apareceu e aproximou-se de mim. Ele estragou tudo. Minha morte não foi cheia da adrenalina de se jogar na escuridão, não teve a sensação de finalmente alcançar a liberdade ou o abraço do mar. O mar me engoliu porque eu simplesmente cai como um acidente, um descuido que me levou a morte.

Na imensidão do mar ele também estava lá. Seus olhos eram negros e seus lábios eram rígidos contra os meus em um beijo que me sufocou. Então eu morri, ou achei que tinha morrido.

Acordei oito meses depois, chegando pela madrugada, chorando como um bebê prematuro ao perceber que existia; que não estava mais na proteção do útero confortável que me livrava de todo mal.

O quarto era branco, repleto de flores cheias de vida e outras murchas e mortas, estava ligada a aparelhos e tudo estava em silêncio. Só havia uma pessoa no quarto, a última pessoa que vi antes de achar que tinha morrido, o garoto do penhasco. Ele estava sorridente como se me ver viva era a melhor coisa que poderia presenciar, como se a vida tivesse graça quando estava dentro de mim.

── Isso não é o céu, é? ── perguntei.

── Não.

── O inferno?

── Nem perto. ── respondeu.

── Então quem é você?

── Não estar no inferno não significa não ter demônios. ── respondeu, o sorriso maldoso nos lábios. ── Você acha que suicidas vão para onde?

── Ficam vagando? ── disse. Mas sempre falei pra mim mesma que eu só deixaria de existir. ── Mas, aparentemente, eu não estou morta e nem você. Te vi na água quando caí.

── Exatamente. Você não morreu, então me ganhou! ── ele respondeu com uma animação que me dava medo. Era um desconhecido que vi no penhasco e depois na água comigo.

── E o que você é? ── indaguei. ── Você me dá medo.

── Ah, não diga isso, querida Analie. ── levantou-se da poltrona e seguiu na minha direção. ── Essa é uma das aparências mais belas que tenho para um demônio.

── Demônio? ── falei olhando-o e lembrando de seus olhos pretos.

── Na verdade, eu sou um tormento, o que dá na mesma porque é uma espécie de demônio. ── deu de ombros. ── Bom, agora sou seu acompanhante.

── Eu não quero você. ── falei.

── Ora, querer não é poder. ── riu. ── Seu erro foi tentar se matar e agora estou aqui. Apenas aceite e teremos dias amigáveis. Vá contra mim e você vai querer se jogar novamente daquele penhasco, essas são as regras.

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