O3🦋"O dia em que voltei para os meus pais"

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Não acordei por completo, apenas tive alguns vislumbres. Meus pais me olhando, escuridão. Landon sussurrando no ouvido do médico enquanto ele falava para os meus pais que eu tinha perdido minha memória, escuridão. Minha mãe desesperada e meu pai sem reação, escuridão mais uma vez.

Quando acordei de verdade estava no meu quarto lilás com mobílias brancas, Landon estava na porta da sacada e fazia cara de nojo. Imaginei que as cores pastéis não agradassem o tormento.

── Você não falou como concluiu que minha irmã era louca. ── sussurrei. Tinha medo que meus pais subissem para me ver.

── Durante os oito meses em coma você teve muitos problemas respiratórios. ── falou abrindo a cortina. Será que alguém veria o garoto parado na minha sacada? ── O médico te ligou a vários aparelhos assegurando a todos que uma hora ou outra você acordaria. No sexto mês Amália pensou que estava na novela da tarde e pediu para que tirassem os aparelhos, "Analie não gostaria de tirar os aparelhos de pessoas que realmente precisam".

── Eu não acredito nisso. ── saltei da cama. ── Viu? Não me querem viva. Por que eu ainda estou aqui? Eu não quero mais estar.

── Analie, as palavras da sua irmã foram apenas palavras. ── ele disse me segurando pelo ombro enquanto eu soluçava. ── Alguém naquele hospital perdeu parte da família e pediu para que os aparelhos fossem para você.

── Então fizeram o que Amália pediu? Tiraram para que eu morresse!? ── indaguei.

── Não. ── riu e eu não via graça. ── Os seus deram problemas e não tinham mais disponíveis, só chegariam outros na semana seguinte e até lá você poderia estar morta. Então você ganhou os aparelhos.

── Conheço essa pessoa?

── Não, mas irá. ── os lábios do garoto esboçaram um sorriso travesso. ── Nada tão bom acontece sem que os destinos sejam totalmente cruzados.

Sentei na poltrona e respirei fundo olhando, pela porta da sacada, o céu nublado me encarando como se minha volta para casa fosse ruim e talvez fosse. Naquele momento percebi a graça que Landon tinha visto no meu desespero quando ouvi que Amália queria me matar. Eu tinha tentado me matar e ainda não tinha a certeza se queria estar viva — minha vontade mudava tanto quanto os segundos no relógio de parede —, mas não aceitei o fato que alguém queria que eu estivesse morta. Deveria? Deveria compreender minha irmã tomando a decisão por mim? Aceitar que estava me mandando para a morte quando não sabia que ela já havia me rejeitado uma vez no penhasco?

── Eu vi que você deu um jeito em tudo. ── falei esfregando o rosto. Me sentia sem rumo. ── O médico disse que eu tinha perdido a memória.

── É, eu dei. ── disse sentando-se no chão ao meu lado. ── Seu desastre no penhasco deu uma bela ajuda. "A jovem Analie fugiu porque não se lembrava de nada, entrou em desespero e na fuga acabou se machucando. Tentem no máximo serem compreensivos com ela ou coisa pior poderá vir a acontecer".

── Então eles têm que, basicamente, me aceitar do jeito que eu quiser me mostrar?

── Cada pedacinho seu. ── concordou.

Por instantes encarei o emaranhado de cachos que Landon tinha e pensei: como poderia ser ele um tormento? A nossa história era recente, se esquecesse dos oito meses que fiquei apagada, mas nos momentos que fiquei com ele não foram exatamente o que pensei. Não teve castigo ou sofrimento, Landon apenas estava ali.

Os olhos escuros do tormento me encararam e então me lembrei que dentro dele havia um coração partido. Talvez um coração partido deixasse todos vulneráveis, até mesmo um demônio.

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