capítulo IV: não olhe para ele

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David e Tommy correram o mais rápido possível. E em um relance de olhar, David pôde ver a criatura a lhe observar soltando um grito grave enquanto levava as mãos ao rosto, antes de começar a correr atrás.
- droga!- Gritou.
Tommy não falou nada. Parecia tão concentrado em sua corrida, que temia que uma palavra o desconcentrasse.

O rosnado do monstro aumentava e diminuía a cada passo dado. Suas garras arranhavam a parede em um estridente barulho alto. David podia sentir o medo se espalhar em seu corpo: dormência nas pernas, um frio na barriga que chegava a doer; a respiração acelerada tanto quanto seu coração.
Não pare! Não pare corpo inútil!
Pensava revoltado consigo mesmo. Os dois corriam dobrando os corredores, batendo os ombros contra as paredes sem tempo de parar.
- temos que despistar-lo!- disse Tommy finalmente. David tentou recobrar o fôlego e respondeu:
- como?! Todas as portas estão trancadas!
De repente, a atenção de David se fixou em um tubo de ventilação no canto do final do corredor.
- acho que dá de passar.- pensou alto.
- o quê?- Tommy perguntou interessado.
A criatura bateu na parede fazendo um estrondoso barulho. David olhou para trás e desesperou-se ao ver que o monstro quase lhe alcançava.
- eu acho que dá de passar pelo tudo de ventilação!- gritou para Tommy.
- você acha?!- Tommy perguntou, nervoso.
- É isso ou nada!- David respondeu se preparando. Quando mais próximo, David se jogou ao chão e arrastou-se rápido para o tudo de ventilação. A grade nela era retirável. Ele hábil e rápido, agarrou a grade e a jogou para longe. Encolheu-se para entrar, quando Tommy tomou sua frente, dizendo:
- eu primeiro!
David começava a se irritar, mas não conseguiu impedi-lo. Tão rápido quanto um leopardo, Tommy já estava dentro do tubo totalmente encolhido no pequeno espaço.
- ora, seu...
David adentrava o espaço, furioso. Quando sentiu algo cravar em sua perna, começando a lhe puxar. Soltou um grito de dor e olhou para trás. A criatura cravava sua garra na perna dele, encarando-o com ódio e desespero.
"Não olhe para ele, em hipótese alguma"
Lembrou-se das regras dadas a ele no dia de sua vigilância à SCP-096.
Não olhe... Não olhe!!
Repetia em pensamentos para si. A ordem parecia mortal. Um relance para o fim. A criatura o puxou mais agressivamente, porém, David agarrou as mãos à entrada do tubo, com todas as forças, ignorando suas unhas que quebravam. Estava tão perto... Do fim.
                            * * *
Anos antes...
- acho que deve comprar.
David olhou ao redor: estava outra vez, sentado a cadeira do restaurante, onde jantava com Sofia. Era esse o nome da moça. A única que amará.
- o quê? - David perguntou desatento. Sofia o encarou com descontentamento, dizendo:
- se distraiu de novo, David? Eu disse que deve comprar.
- ah! - David exclamou, como se tentasse lembrar - a casa? Achou boa?
Sofia abriu um sorriso e respondeu empolgada:
- sim! É muito bonita!
David retribuiu o sorriso e mirou o olhar para a barriga de Sofia.
- vamos ser tão felizes.- disse ele com um tom orgulhoso. Sofia entendeu seu olhar e pôs a mão sobre a barriga, dizendo:
- ela vai ter o melhor pai do mundo.
David então notou a palavra "ela" e fixando os olhos surpresos em Sofia, disse devagar:
- É uma...- Sofia o respondeu assentindo com a cabeça antes dele terminar - é uma menina!
David disse explodindo em felicidade, abraçando Sofia; apreciando as risadas que ambos davam com prazer. Apreciando... Enquanto podia...
                         
                          * * *
Agora...
O monstro o puxou outra vez, enquanto Tommy olhava paralisado. David ,então, tomou fôlego e puxou a perna, ignorando a dor ao sentir sua carne rasgar na garra cravada. Mordia o lábio inferior com força, até sentir o sangue escorrer por sua boca. Finalmente escapou das garras da criatura e se arrastou rapidamente pelo tubo de ventilação, ouvindo logo atrás os gritos da criatura.

Os dois engatinharam pelos tubos, até achar uma segunda grade que deixava a luz atravessar a escuridão do espaço. Tommy na frente, posicionou o pé direito e chutou a grade que logo cedeu e caiu. Tommy saiu apressado, sentido o alívio de respirar novamente. David saiu logo atrás e viu que estavam em um quarto. A luz vinha da lâmpada forte que clareava todo o quarto, revelando um pequeno cômodo de paredes brancas, onde só tinha uma cama simples de solteiro. David sentou-se no chão de cimento empoeirado e examinou a ferida na perna: a garra havia rasgado fundo em um largo risco que se estendia até o pé, jorrando de sangue que sujava sua calça preta. Olhou para Tommy que o observava com uma mistura de pena e desespero no rosto. David podia ler em seu medo o que ele pensava.
- Tommy...- David o chamou baixo, abrindo a mão em sua direção - me ajude...
Tommy ofegante, balançou a cabeça em "não".
- Tommy... Por favor...
David sentia as lágrimas caírem em seu rosto e sua voz fraquejar.
- sinto muito, David - Tommy respondeu com a voz chorosa - eu não posso... Você não vai conseguir... Eu...
- por favor! - David gritou, sentindo o desespero lhe tomar. Tommy, porém, não reagiu e respondeu, quase em um sussurro:
- você já está morto e não sabe.
Tommy se virou de costas e deu um passo a frente.
- não... Tommy! - David gritou inconformado. Tommy ignorou e continuou a caminhar lentamente, mas David continuou a chama-lo. Tommy, cerrava os punhos em impaciência, tentando não ouvir os gritos desesperados de David. Mas não tinha coragem o suficiente.
- calaaa a bocaaa!!- explodiu ele em raiva - eu não posso te ajudar!! Você vai me atrapalhar, será que não ver?!!
Após os ecos cessarem, o silêncio tomou o quarto. Ambos se encaravam com olhares tristes. Estavam na mesma situação. Ambos desejavam viver, mas só um conseguiria.
- ok - David disse, conformado - pode ir. Acho que tem mais a perder do que eu...
As palavras pesavam para si. Sabia que Tommy não merecia, nunca fez nada por ele. Mas também sabia que ele tinha razão: estava perdido. Não podia correr com a perna machucada. Não conseguia nem chegar até a porta. Então ficaria ali. Se não fosse morto pelas criaturas, morreria de sede ou fome. Era o fim.

Tommy virou a cabeça em sua direção e assentiu. Deu as costas e começou a andar até a porta. Quando de repente a lâmpada estourou, deixando o lugar em escuridão. Tommy puxou uma lanterna do bolso e a acendeu.
- o que aconteceu?-David perguntou.
- nada - Tommy respondeu enquanto passeava a luz circular pelo quarto. - apenas a lâmpada que estava velha.
David notou que ele agora respondia normalmente, como se a pena que passará nunca estivesse existido.
Talvez só não conseguisse ir embora com alguém a lhe implorar! Como se realmente acreditasse que minha palavra houvesse sido sincera. Ou apenas quer acreditar nisso, para aliviar o peso na consciência.
Pensou David disfarçando a raiva em seu rosto. Tommy observou o quarto quando finalmente disse:
- bom, parece que não é na..
- espere! - David gritou - volte a lanterna para a parede esquerda novamente.
Tommy virou e percebeu a diferença. A parede que antes estava totalmente branca, agora tinha uma grande  mancha escura em seu lugar.
- o que é isso?!- Tommy perguntou se afastando. Os dois ficaram em total silêncio por alguns instantes, tentando ouvir qualquer ruído. De repente, tão rápido quanto um vulto, Tommy foi puxado, desaparecendo dentro da parede.
- Tommy!- David gritou sem reação.
Pra onde ele foi? O que era aquilo?!
Estava congelado no canto da sala, olhando para a parede mal iluminada pela lanterna, onde Tommy havia sumido. Estava sozinho. Mas... Não sentia-se sozinho. Algo... Estava a espreita no escuro.

Uma noite na fundação SCPOnde histórias criam vida. Descubra agora