Um Autor Controverso

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Os três então se dirigiram para a biblioteca, esperando que tivessem interpretado corretamente todo o poema.

Era uma longa caminhada. A biblioteca ficava isolada do resto do convento para que houvesse o menor barulho possível ao redor dos leitores. Contava com um grande e rico acervo de livros de filosofia, teologia e ciências em geral.

Era de manhã, então provavelmente não haveria muito movimento. Se não descobrissem o que precisavam até a tarde chegar, teriam que regressar à noite em segredo.

A primeira coisa na qual Júlio reparou foi um livro em particular. "Como um Frade Foge das Tentações" era seu longo título. Parecia ser um livro normal, mas o professor olhou para aquela obra com grande perplexidade.

- Que há de errado? - Perguntou Armindo.

- Por acaso já ouviram falar do frade Marcos Álvares? - Retrucou Júlio com outro questionamento.

Os outros dois se entreolharam.

- Que eu me lembre, não.

O exorcista colocou o livro sobre a mesa e o abriu.

- Os frades mais velhos possivelmente se lembrarão desse homem. Por Deus...

- Quem é esse? - Perguntou Francisco, impaciente.

- Este homem foi meu maior professor, meu maior mestre. Se eu gero polêmica hoje em dia com meus trabalhos, Marcos gerava cem vezes mais.

Um breve silêncio se seguiu.

- Foi uma figura controversa, misteriosa. Escreveu muitos livros sobre demonologia e ocultismo. Claro que nunca aprovou nenhum dos temas, tendo redigido manuais informativos para nós, exorcistas. Naquela época suas obras chegaram perto da censura, mas o papa entendeu a importância de sua escrita. Ele foi um dos primeiros dominicanos portugueses. Faleceu faz 10 anos. Viveu muito, muito. Realmente Deus quis que tivesse uma longa trajetória.

Novamente, um pequeno silêncio. Júlio folheou o livro até uma página com uma iluminura. Ali estava representado um frade dominicano com uma marca no rosto.

- Vejam, este é ele. A marca é inconfundível.

- Por que ficaste tão perplexo por ter encontrado uma obra dele aqui? - Indagou Armindo.

- Não achei que permitiriam obras dele no acervo. Eu li esta, é a menos profunda e tenebrosa de todas.

Mesmo com tantas observações, eles ainda estavam perdidos. A presença de uma obra de um autor tão controverso era suspeita, mas não havia nada que auxiliasse os frades a progredir na investigação da morte de António.

Júlio folheou o livro até o final e o fechou, mas o reabriu instantaneamente na contracapa.

- De fato, interpretamos corretamente! - Exclamou, feliz.

Os outros dois ficaram curiosos e se juntaram. Em tinta preta, ali estava escrita uma dedicatória:

"Primeiro de vários volumes que envio para o recém-fundado convento de São Domingos, em Coimbra. Dedico essas edições em particular a meus dedicados alunos que integram tão nobre instalação: Filipe Alves e Fernão Gustavo. Que a Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco até o fim dos tempos!

Vosso irmão em Cristo, professor Marcos Álvares"

- Primeiro de vários? Há mais destes em algum lugar? - Perguntou retoricamente Francisco.

Enquanto Júlio encarava o livro e Francisco pensava no que tinha acabado de ler, Armindo estava analisando o ambiente. Algo ali parecia fazer algum sentido, mas ele não sabia o quê e nem por qual razão.

Havia uma estante no canto da biblioteca que tinha pouquíssimos livros. Dentre as obras, uma se destacava não por esplendor, mas por sua feiura. Era velha, desbotada, sua capa estava tão rasgada que parecia ter sido proposital.

Ao andar até ela, pisando sobre um belo tapete verde, parou. Armindo raciocinou, voltou para o lugar de onde tinha partido e fez o mesmo trajeto.

Pisava fortemente e seu passo era lento, como se estivesse analisando alguma coisa meticulosamente.

Lá para o décimo passo, ele parou, perplexo. O som não era o mesmo, o chão abaixo daquele tapete não era uniforme. Era oco.

- Há um alçapão debaixo de nós, e se estiver trancado, só há um lugar onde a chave deve estar.

Com afeto, Frade AntónioOnde histórias criam vida. Descubra agora