Novas Pistas: Superstição e Cortes

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Por bênção (já que, sendo frades, nenhum deles acreditava em sorte ou azar), a espera não demorou mais de vinte minutos. Logo o Frade Superior Guilhermo chegou de viagem. Como se esperava, estranhou a situação.

Ao encontrar os dois rivais esperando por ele e o resto do convento praticamente vazio, se surpreendeu.

— Que é que está havendo por aqui? Não vejo absolutamente ninguém fora das celas a esta hora do dia, e os únicos com quem me deparo são os dois mais competitivos do convento todo esperando por mim.

— Um mal terrível nos assolou: o Frade António foi encontrado morto. - Respondeu Francisco

Guilhermo congelou.

— Conseguimos mandar todos para suas celas e achamos melhor investigar um pouco. Ele caiu de sua janela de bruços no chão, e em seu quarto encontramos elementos muito...peculiares. Acho que vai querer vir conosco.

Os dois frades apresentaram ao recém-chegado o corpo de António, depois tudo o que foi encontrado em sua cela.

— Caso como este nunca vi igual! - Exclamou Guilhermo, atônito - Veja essas inscrições, claramente António foi atacado pelo diabo!

Nenhum dos dois se surpreendeu com a colocação, já que o Frade Superior era conhecido pelos seus julgamentos precipitados e, geralmente, equivocados.

— Creio que não seja tão metafísico, senhor. - disse-lhe Francisco - Por que Satanás atacaria ele, e somente ele?

— Ele nos fará vítimas um por um! Por Deus, por Deus!

Guilhermo entrou em desespero e teve que se sentar. Francisco tentava, em vão, acalmá-lo, enquanto Armindo foi dar uma volta.

Quando passou pelo corpo, resolveu olhar novamente, um pouco mais de perto. Uma das mangas do hábito do frade António estava um pouco mais levantada, e Armindo não pôde deixar de notar um pequeno corte. Ao levantar um pouco a barra da manga, notou que o corte continuava.

Seria muito indecente remover o hábito do pobre homem ali, então o frade simplesmente deixou o cadáver em paz. Sua mente, porém, estava em um turbilhão de pensamentos.

Apenas alguns segundos depois, desceram Francisco e Guilhermo.

— Nós vamos guardar o corpo na cripta subterrânea. Avisarei os guardas da cidade de Coimbra, eles providenciarão segurança. Creio que, por decorrência de teor tão místico, o Prior será informado. - Decidiu o Frade Superior

Era irritante perceber o quanto Guilhermo teimava em defender sua tese improvável de que o próprio Satanás matara António, mas havia pouco que pudessem fazer.

Logo que o Frade Superior se afastou, Francisco começou a falar.

— Não sei o que se passa na-

— O corpo tem cortes. - Interrompeu Armindo inesperadamente

— Como?

— O corpo de António está com cortes na pele. Por baixo de seu hábito, há mais mistérios.

O outro levou alguns instantes para processar a informação.

— E como é que vamos revistá-lo? O Frade Superior nunca vai nos deixar remover o hábito de um frade morto, especialmente supersticioso do jeito que é.

— Precisaremos entrar na cripta tarde da noite. A única entrada é por meio da nossa capela.

— Guilhermo colocará guardas para vigiá-la.

— Eu tenho um plano.

Após alguns minutos de discussão, os dois finalmente concordaram e seguiram suas atividades normais pelo resto do dia. Quando chegou a noite, como de costume, entraram em suas celas.

Estava escuro e quieto. Apenas o movimento de alguns guardas podia ser notado. A noite estava sombria com os ocorridos, e o ar diabólico trazido pela hipótese do Frade Superior só piorava as coisas.

Armindo estava pensando em mil hipóteses para explicar o que estava acontecendo. Rezou para que seus pensamentos se clareassem, mas não parecia ser atendido.

Quando ouviu um assovio cantarolante ao longe, Armindo mudou as preces.

Agora, rogava para que Deus permitisse que os dois invadissem a capela e descobrissem o que estava por debaixo do hábito de António.

Era hora de progredir na investigação.

Com afeto, Frade AntónioOnde histórias criam vida. Descubra agora