O Professor Júlio

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A proximidade do convento à universidade e do professor Júlio a Coimbra era algo que não podia ser considerado sorte. Armindo e Francisco nunca tinham acreditado em coisas mundanas como sorte, azar ou coincidências. Agora não havia dúvidas de que Deus queria que esse mal fosse trazido à tona.

No dia após o funeral, depois de repassar todas as iluminuras que fizera dos desenhos do corpo (por possuir magnífica memória fotográfica), Armindo colocou-se a esperar pela chegada do professor.

Ele chegou à tarde. Logo ao pisar no convento, atraiu olhares misteriosos.

— Aquele não é o professor exorcista?

— É ele mesmo. Deve estar aqui pela morte de António.

— A mera presença dele me dá arrepios…

Enquanto os outros frades comentavam, Francisco foi recebê-lo.

— Professor Magalhães?

— Oh, olá, Francisco! Como tem passado? Esqueça essa formalidade, pode me chamar pelo primeiro nome.

Contrariando as expectativas de muitos, Júlio era realmente amigável.

— Vou te levar até o Frade Superior. Meu amigo, Armindo, também está esperando lá.

— Agradecido. Vamos.

Francisco parou pra pensar que havia se referido a Armindo como seu amigo, e não como rival ou colega. Estranhou, mas seguiu o caminho.

Cumprimentaram-se todos quando chegaram à cela de Guilhermo. Logo, o superior começou a falar.

— Como devem ter te atualizado, houve uma morte misteriosa nesse convento. Um de nossos frades foi encontrado morto, caído de sua cela. Os dois frades aqui me mostraram símbolos talhados em sua estante. Ora, o diabo foi muito vil nesse ataque!

Júlio estranhou.

— Como é?

— Temos fortes razões para acreditar que Satanás atacou nosso irmão António e deixou sua assinatura na estante do mesmo!

Júlio ficou perplexo com a ideia do sacerdote. Armindo olhou para o professor com um semblante cômico e levemente gesticulou "não" com a cabeça. Magalhães logo entendeu que não devia levar a sério nada que o superior dissesse.

— Os dois frades vão te acompanhar pela cena e lhe mostrar sua estante. Não tenho coragem ou paz de espírito para isso. Quero que veja se há algum demônio nos espreitando para que evitemos outro ataque.

Júlio concordou com a cabeça e saiu acompanhado dos outros dois frades. Logo que saíram do campo de visão de Guilhermo, o professor começou:

— Que homem mais supersticioso, não tem conhecimento nenhum acerca de demonologia.

— De fato, por isso não lhe contamos tudo sobre o caso. - Respondeu Armindo.

Júlio olhou de maneira curiosa, mas com um sorriso de canto de boca.

— O que mais há?

— Bem…

Armindo e Francisco contaram-lhe toda a história da invasão à cripta e das marcas que acharam no corpo de António.

— Interessante.

— Não contamos ao Frade Superior porque não havia razão para isso, ele acabaria com nossos esforços e até apelaria para a Santa Sé, é um homem bom, mas extremamente supersticioso e, se me permite dizer, temeroso até demais.

— Eu sei, tenho a mesma idade desses velhos supersticiosos. Imagine como eu era bem visto no meu convento estudando demonologia quando jovem. - Disse Júlio de maneira irônica.

— Francisco, leve-o para a cela do morto. Vou pegar as iluminuras que fiz das marcas do corpo.

Enquanto Armindo foi até sua cela para pegar seus papéis, Júlio foi conduzido à cela de António.

Ao derrubar os livros da prateleira marcada com os símbolos, Francisco se surpreendeu.

— Os símbolos! Sumiram!

O frade se desesperou.

— Professor, eu...eu juro que os símbolos estavam ali! Eles…

— Acalme-se, meu jovem rapaz. Eu sei que não estava mentindo. Não teria motivos para isso. Pode descrevê-los?

— Era algo como uma estrela de sete pontas, talhada várias vezes. Tinha pernas e braços, parecia estar representando aspectos do mundo físico e metafísico.

Júlio estranhou. Já tinha visto isso antes, mas a principal questão era: como alguém apagaria símbolos que foram talhados? Era impossível.

— Havia um papel aqui também. Era um papel rasgado, parecia o final de uma carta. Ele dizia: "com afeto, Frade António".

Nisso, Armindo veio correndo.

— Armindo! Armindo! Os símbolos desapareceram! Você tem as anotações? - Perguntou Francisco, ansioso.

— Por Deus...não, alguém as levou de alguma maneira.

Júlio começou a estranhar.

— Vocês parecem ser confiáveis, mas se estiverem mentindo, vou denunciá-los à Santa Sé, e um Tribunal Inquisitório haverá de ser instalado para julgar-vos.

— Não, não estamos mentindo.

— Armindo, sua memória fotográfica é melhor que a minha. O que eram os símbolos?

— Estrelas de sete pontas, dentro de círculos, com pernas e braços. Nos círculos, havia várias palavras talhadas, e símbolos como pássaros e sóis.

O professor Magalhães teve um raio súbito de iluminação.

— Creio que realmente já tenha visto isso antes, e tenho uma ideia. Os símbolos desapareceram, os papéis foram escondidos, mas uma coisa pode não ter sido maculada.

— O quê?

Júlio olhou com um semblante sério e preocupado.

— O corpo.

O ar da sala ficou mais pesado e fúnebre. Os dois ficaram nervosos. Magalhães permaneceu impassível.

— Então você sugere que nós…

— Exato.

Todos se silenciaram.

— Vamos ter que desenterrar o pobre frade.

Com afeto, Frade AntónioOnde histórias criam vida. Descubra agora