O Funeral

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Amanheceu, e todos os frades acordaram com o badalar dos sinos da capela.

Era hora do funeral.

Os guardas não se atreveram a denunciar o que tinha acontecido com eles na noite passada, pois nem eles sabiam ao certo explicar o ocorrido.

Armindo havia despertado um pouco antes. Logo que acordou, redigiu a carta para a universidade e a despachou. Teria uma resposta logo, já que o convento ficava na própria cidade de Coimbra (como sempre ocorre com os conventos), então simplesmente resolveu esperar.

Os frades tiraram o corpo da cripta e iniciou-se a cerimônia religiosa.

Muitas orações marcaram aquele funeral. Dadas as circunstâncias da morte, era normal que tivessem medo, e o Frade Superior não ajudava com sua hipótese de que o próprio demônio fora responsável pelo assassinato.

De cabeça cheia, Armindo aproveitou a ocasião para descansar um pouco após o frenesi de pensamentos que tivera antes.

O funeral levou aproximadamente uma hora, acompanhado de muitas orações temerosas por parte dos frades, especialmente os mais velhos, que soíam ser os mais supersticiosos e temerosos. O Frade Superior rezava em tamanho pânico que constituía uma cena até mesmo cômica.

Por fim, o corpo de António foi finalmente sepultado, e todos voltaram às suas atividades normais.

Passou se uma outra hora até que um papel rolou por debaixo da cela de Armindo. Era uma carta.

Armindo leu a epístola:

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Prezado Frade Armindo:

O professor Júlio Magalhães esteve presente por aqui alguns dias atrás para recolher alguns livros que esquecera. Partiu ontem em direção a Porto pela direção de Montemor-o-Velho.

Já não deve se encontrar nos limites do nosso Concelho, mas ainda está próximo.

Se desejar, redigiremos-lhe uma carta, solicitando sua presença no convento.

Atenciosamente:

                    Reitoria da Universidade de Coimbra

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Às pressas, redigiu e despachou uma outra carta para a reitoria, pedindo que escrevessem para Júlio com urgência.

Era sabido que Júlio não poderia aparecer ali do nada sem levantar suspeitas, então resolveu falar com o Frade Superior. Antes disso, porém, foi comunicar Francisco.

Ao chegar à cela de seu rival, Armindo foi recebido com um ar cauteloso.

— Sim?

— A Universidade de Coimbra me avisou que o professor Júlio partiu ontem, e se encontra em Montemor-o-Velho, pedi para que redigissem a ele o quanto antes solicitando sua presença aqui.

— E o que é que o Frade Superior vai pensar da visita de uma figura controversa de repente?

— Também por isso vim para cá. Precisamos falar com ele.

Francisco concordou e foram os dois procurar Guilhermo.

O supersticioso recebeu-os com pesar.

— Novamente os dois. É uma pena o que tenha acontecido, e ainda me arrepio ao pensar que Satanás possa ter realizado um atentado tão vil contra a nossa Igreja.

— Sim. É por isso que pensei que fosse bom receber algum especialista nessa área por aqui, para que possa expulsar qualquer tipo de demônio que possa estar escondido por essas bandas. — DIsse Armindo, fingindo crer na hipótese de seu superior.

— Faz sentido, eu redigirei uma carta para um exorcista da Santa Sé.

— Creio que não seja necessário. Temos o Frade Júlio, que faz exorcismos também e é especialista nessa área. — Sugeriu Francisco.

Ao ouvir o nome de Júlio, Guilhermo se arrepiou. Júlio Magalhães era o terror dos frades supersticiosos, já que tratava de assuntos como ocultismo e demonologia com assustadora naturalidade.

— Não sei se a presença deste professor aqui será uma boa ideia. Ele é...suspeito.

— Ora, senhor, é o homem mais próximo daqui que temos. — Respondeu Armindo.

— Ele não é bem visto por muitos, é uma figura envolta em segredos, alguns até dizem que é um infiltrado de Satanás!

Os dois frades se seguraram para não rir de tal superstição absurda.

— A Igreja não falha, senhor. Se fosse satânico, já teria sido exorcizado, e se fosse herege, excomungado. Nós dois concordamos que seria melhor trazê-lo para cá. Ele é um homem competente e não podemos correr o risco de outro atentado contra a vida de um dos nossos irmãos.

Sem muitos argumentos, Guilhermo concordou, relutante.

— Peça que venha, então.

Os dois frades concordaram alegremente e saíram.

Depois de algumas horas, ao anoitecer, Armindo recebeu outra carta:

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Prezado Frade Armindo:

O professor Júlio Magalhães recebeu nossa carta. Ele declarou que estará no seu convento o quanto antes.

Atenciosamente:

                    Reitoria da Universidade de Coimbra

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Com afeto, Frade AntónioOnde histórias criam vida. Descubra agora