Capítulo II - O GAROTO DE CABELOS VERMELHO

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           A vida de famílias camponesas nunca foi fácil na Terra de Biteron. Geralmente, os camponeses viviam em pequenas vilas e fazendas isoladas e desprotegidas. Não poucas vezes, essas pessoas trabalhadoras tinham suas vidas destruídas ou marcadas pela tragédia. O mais incoerente e incompreensivo, de qualquer observador externo, era que esse grupo sustentava com seu esforço a base da alimentação de todas as comunidades, vilarejos e até das grandes cidades e clãs, enfim, tudo dependia do trabalho camponês.

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De tempos em tempos, grupos de sacerdotes e treinadores viajavam pelas cidades e campos à busca das raras pessoas que possuíam poderes místicos. Quando as encontravam, obrigavam os familiares a entregarem-nos para os Templos ou Academias. Isso, é claro, por uma pequena contribuição material, com a moeda local. Já fazia parte da tradição esconder os filhos, mas era sempre pouco eficaz, pois havia espiões e rastreadores que sondavam a área contabilizando as crianças e entregavam a localização para os sacerdotes, mestres de templos e treinadores.

A mãe de Krupert e Logap estava despreocupada, porque como os três primeiros filhos dela eram 'sem função', os outros dois também deveriam ser. E, se porventura algum filho lhe fosse tomado, ficaria melhor do que com ela, pois não eram raros os momentos de privações por carência de alimento. Uma coisa é a imaginação, outra é o fato.

Quando, por fim, recebeu a visita inesperada dos sacerdotes, ela literalmente desabou. Eram dois. Um dos homens, alto, de olhar apertado, que se identificava como treinador, trazia Logap pela mão. A criança olhava para cima tentando ver a cara do moço que lhe segurava firme. Ele vestia uma leve armadura e, pendurado em sua cintura, havia uma espada curta e curva. O outro homem, sinistro, velho e encapuzado, ficou em pé ao lado da porta aberta. A casa era muito pobre, não havia cadeira, nem mesa, apenas um tronco de madeira maciça que servia de assento. No canto, um fogareiro queimava a lenha e, ao lado, uma prateleira com rústicos utensílios de cozinha. Vendo o pranto da mãe, Logap também começou a chorar e espernear. 

O velhote segurava na mão direita uma adaga ainda embainhada, enquanto, com a outra mão, tocava no rosto da criança. Nesse momento, Logap cerrou os olhos e dormiu imediatamente. Era a ação de um mago. Então, ele retornou ao seu lugar ao lado da porta. A mãe gritava, querendo saber o que haviam feito com seu filho, mas os dois homens continuavam em silêncio. Ela tentava agarrar a criança para trazer para os seus braços, mas o tal guerreiro a afastava com uma das mãos.

Esse impasse prosseguiu até que um pirralho de cabelo verme- lho entrou correndo casa adentro. O estranho que estava na porta olhou com afinco e então pediu que ele se aproximasse. O menino era Krupert, que olhou atentamente aquele homem velho de capuz. Tinha algo de familiar naquele rosto, por isso o pequeno Krupert não parecia sentir medo ou recear alguma coisa, mas a mãe esperneava, pois sabia que perderia os dois filhos para o mundo.

O mago, impaciente, fez a mulher silenciar apenas com um aceno de mão, e ordenou que ela comprasse mesa e cadeiras para quando eles retornassem em alguns anos para levar a próxima criança que dela nasceria, outro filho que brevemente seria gerado em seu ventre, pois aquele também deveria ter o dom. Thalésia só compreenderia aquelas palavras quatro anos depois, quando se enamorou e engravidou de um mensageiro da Cidade de Giro que sempre passava por lá, na ilha.

O mago olhou para a mulher atônita, sentada em seu assento feito de tronco de árvore, e perguntou se estava mais calma. Obteve somente um olhar perdido como resposta, e lhe explicou que passa- dos sete dias eles estariam esperando em frente ao portão principal da cidade para que ela entregasse os dois filhos. A tradição dizia que os pais deveriam entregar os filhos voluntariamente, mas todos sabiam que não havia nada de voluntário nessa prática.

Krupert - Aprendiz de NecromanteOnde histórias criam vida. Descubra agora