Prólogo (LER Peres)

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  João Braga D'avila, enfermeiro aposentado, acredita sorridente no poder hipnótico da atual rotina, leve e que pretende arrastar até o final de sua proveitosa vida. Levanta da cama com In My Way, do seu predileto Elvis Presley, como despertador incansavelmente motivador. Depois desjejum, leite puro ou suco natural, seu humor decide. Então parte à beira-mar, Praia Grande, Ubatuba, playlist musical Século XX; e retorna ao lar por volta das onze, almoçando e voando o tempo com tarefas domésticas como um falcão-peregrino descendo a 300 por hora em direção a uma tartaruga ingênua que deu-se a vista, de nome Vitória Silvana D'avila, 27 anos de idade, professora de biologia. Chega exausta por volta das sete da noite (nos dias bons), o jantar sempre à mesa ou em cozimento quando a moça adentra, cumprimentando:

  - Boa noite pai, como foi seu dia?

  - O de sempre, como sempre. – Ele responde sorrindo, um robô bem programado, toda santa vez, sem interesse algum em noticiar a filha sobre sentir-se definhando esportivamente a cada corrida, o arfar sem fôlego ardente e doloroso.

  - Mas e tu Vitória, você e os pestinhas? – Perguntara nesta noite trivial e quente, de verão. Mas... O que a filha respondeu mesmo? Este é seu atual problema, as memórias sumiram. E sente haver algo errado. Muito errado.

  Ela dissera algo sobre o Daniel estar menos endiabrado? Talvez. O do primeiro B, aquele que caçoara como O Pirralho das Orelhas de Dumbo. Ou talvez tenha sido outra coisa mais aleatória, não consegue lembrar. E está escuro. Frio e flutuante. Onde está? Já foi se deitar? São suas primeiras indagações diante a escuridão anormal.

  "Estou sonhando?", questiona-se, imerso no breu de braços inexistentes, pernas inexistentes e muito mais inexistente sua montanhosa barriga. Há apenas escuro com cor e textura de piche e pensamentos. A memória falha a cada tentativa de resgatar o passado mais próximo, que apenas captura os resquícios de diálogo com Vitória, ganhando frustração e medo. Porém nada disso importa no instante seguinte, pois tudo esvai tão rápido quanto chegara, intensificando-se às profundezas dos pesadelos de João quando uma voz rouca ecoa pelo vácuo:

  - Preciso buscar Melissa antes de o mundo cair.

  E muitas características carregadas pelo vozear ímpeto jorram-lhe um medo profundo e particular. Sente o coração pulsar igual britadeira, sente os pelos arrepiarem espantados e sente tremores trazerem de volta os braços, as pernas, a barriga protuberante e todo o resto, enquanto na cabeça tudo tenta alinhar-se como a paisagem de um trilho de trem. Um trem-fantasma de parque de diversões abandonado.

  Primeiro, a voz, muito bem conhecida. É dona do próprio João Braga D'avila, porém de tom mais jovial, e com uma rouquidão não configurada nos aspectos... Normais. E isto já bastaria para a sanidade botar um pé para fora de casa, não fosse a frase dita que a arrancou até após o portão da frente, desaparecendo de vista.

  Botou-o à mudança para Praia Grande, oito anos atrás.

  E mudara através dos impulsos irrompíveis da filha, objetiva em cuidar do pai que na época havia o cargo lamuriento do luto jazendo sobre a cabeça, desleixado demais para levantar e ir embora. Agarrara João como um valentão puxa o garoto gordo pela gola do uniforme. Indefeso, mas que se entregou à melancolia ao extremo depois de os fracassos da ambição paranoica de que a morte da esposa era apenas sonho, pesadelo e até mesmo loucura alucinógena, surtirem nenhum efeito positivo. Prosseguindo então a culpa, companheira por tempo de meses, apodrecendo o médio (afastado naquele longo momento) física e psicologimente, de crises em crises agonizando a perturbada mente com a ideia do suicídio. Depressivo. Poderoso de forma imperial, mas não imortal. Curável. Sim. Por mais longínqua batalha, que para João Braga prolongara de fevereiro de 2011 a meados de 2013.

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