2. Doce Pesar

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O vento lá fora era cortante. Rajadas pesadas se faziam ouvir mesmo atrás dos colossais portões. Isso provavelmente só podia indicar uma tempestade.

Cobriu os olhos incomodados com o brilho reluzente demais das centenas de velas acessas nos candelabros além dos lustres e das lareiras. É claro que era quase impossível iluminar aquele lugar todo, mas o máximo que pudesse o bastava.

A escuridão era Drácula. A luz Lisa... E ele, o que era?

"Um adolescente no corpo de um adulto". "Um órfão perdido".

Mas ele não estava perdido.
Conhecia aquele castelo tão bem. Mais do que realmente gostaria. As escadarias escuras, incontáveis aposentos fechados, as passagens secretas e é claro a enorme biblioteca de sua mãe, tão bem mobiliada e cheia de tesouros que certamente atrairia a visita de dezenas de curiosos até aquele fim de mundo.

Poderia abrir para eles. Fazer uso de tudo isso e não deixar que tais preciosidades mofassem já que ninguém mais as usava...

... Não! Claro que não. Quem sabe que espécie de maluco poderia atrair para aquele lugar. Aquele lugar que era agora seu refúgio, ao mesmo que uma espécie de carrasco. Uma espécie de espelho para o seu interno.

Um arrepio assustador o tomou ao se dar conta disso; Ele sempre relacionou a maior parte daquele lugar a seu pai. Até mesmo na infância quando o via entrando e se fundindo as sombras. E aquele mesmo palácio o manteve abrigado e só por muitos séculos até que Lisa viesse a sua porta. No entanto agora alguns cômodos estavam destruídos e fechados. Exatamente como ele. O Castelo se assemelhara a Drácula e agora também se parecia com ele.

Balançou a cabeça tentando tirar da mente esse pensamento. Era um fato irrelevante.

Apenas por hábito olhou para o mundo lá fora, através de uma das janelas quebradas cujo alguns pedaços de vidro colorido ainda pendiam destroçados pela batalha; E o mundo lá fora pareceu ao desolado jovem príncipe tão escuro e tão pequeno.

As sombras espessas, um negrume de veludo tomara tudo que no dia com o sol brilhante e alto no céu pálido era possível distinguir.

Havia mais além disso? Havia um outro mundo além de toda aquela escuridão terrível e pesarosa em que vivia agora? Quis tanto, tão profundamente saber onde estavam seus dois companheiros de batalha. Talvez os únicos que ele já tivera.

E ele os viu. Bem... De uma certa maneira.

Em um dos andares superiores do castelo, no qual uma imensa lareira cercava um aposento confortável sem no entanto incendia-lo com uma luz cegante e um calor insuportável, suas
"obras de arte" repousavam em uma poltrona alta de estofado carmesim.

Estavam quase prontos. Foi até lá para termina-los.

Costurou botões nos olhos como era típico, as roupinhas pequenas feitas de farrapos encontrados pelos cantos e corredores e os cabelos e os corpos sustentados em algodão tingido. No momento faltava apenas colocar os braços e as pernas.

E foi após uma refeição peculiar que encontrou os acessórios perfeitos para esses membros.

Refeição! Isso agora até lhe parecia um nome engraçado. Toda e qualquer comida que nestes dias lhe passava pela boca, descendo pela garganta o causava uma sensação abjeta. Não que fosse ruim; na verdade achava que ainda se saía muito bem nisso, como sempre. Mas era enganoso, algo bom no inicio e que depois se tornava insuportável muito rápido. Frio, amargo e nauseante.

Também perdeu a conta de quantas vezes a comida havia ficado empapada por suas lágrimas inconscientes. A mente perdida em memórias fundas que externavam nas águas mornas saídas de seus olhos.

Golden Tears - O príncipe AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora