Capítulo 03

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– Traga tudo o que você tem para a minha sala. Agora! – Ao ouvir estas bruscas palavras do superintendente Oliveira logo pela manhã do dia seguinte, todos no escritório olharam apreensivos para Henrico e, depois, apenas de esguelha, para o chefe grandalhão que passava pelas baias do escritório de análise de perfis em direção à própria sala.

O que Henrico tinha de fazer, naquele momento, era resultado do que fizera ao longo da noite.

Em seu apartamento, o agente passara longas horas pesquisando as vidas daqueles dois suspeitos, o foragido Plamem, e suas tatuagens no acesso remoto ao banco de dados da Interpol. Umas duas horas antes do amanhecer ele estava com um minucioso relatório completo em mãos e decidiu, então, telefonar para Neville Simonet enquanto pensava com certo orgulho: 'O Francês não podia estar de todo errado ao me contratar, não é mesmo? É hora de mostrar que posso ser útil.'

Henrico entrou na sala do superintendente, fechou a porta atrás de si e colocou a pasta com o relatório sobre a mesa.

– Meu telefone tocou antes do despertador esta manhã. Era o Simonet e eu fui obrigado a dizer yes, sir várias vezes; I'm sorry, sir; I will analyze, sir; sir, sir... – disse Oliveira com gestos curtos e rígidos. Olhando para a pasta, continuou dizendo – Spada, espero que seu relatório seja suficientemente bom, senão...

Oliveira estava furioso e não indicou que Henrico se sentasse ou deixasse a sala. E este, sem saber o que fazer, ficou ali em pé, sentindo frio e olhando seu superior folhear atentamente seu relatório por longos minutos sobre a mesa coberta por uma pilha de outras pastas, dois escaninhos transparentes cheios de formulários, um grande e um tanto antiquado telefone de mesa e, ao centro da mesa, sobrepujando todos os objetos como uma pequena torre negra de vigia, o monitor do computador.

Oliveira chegara à superintendência por méritos próprios após quase duas décadas de missões na Polícia Federal e na Interpol. Era um cinquentão bruto, praticamente um troglodita na aparência, mas um policial de extrema competência e perfeitamente polido e político quando a necessidade se apresentava. Já entre os liderados, a rispidez era o trato normal. Poucos agentes haviam conquistado sua simpatia e respeito. Henrico não era um deles. Enquanto lia o relatório com olhos cintilantes de atenção por trás dos óculos de lente fina e aros grossos, uma das mãos esfregava o queixo grande, com barba grisalha por fazer e um profundo furo em fenda vertical no meio, uma imagem que se apresentou à mente de Henrico de forma um pouco obscena. Por fim, o grande homem piscou os olhos e fechou a pasta com incomum suavidade. Tirando a mão do queixo, apontou para ela e disse:

– Você já ouviu falar em chutar cachorro morto? – Henrico, de boca aberta, não podia ocultar da face a surpresa com as inesperadas palavras, o que Oliveira percebeu e explicou – Não se chuta o cachorro depois de morto, certo? Mas se você descobre que ele está vivo e quer te morder; bem, neste caso é preciso fazer algo. Quando sair, diga para os seis que teremos uma reunião em uma hora.

– Em uma hora, senhor?

– Creio que seja tempo suficiente para você transformar isto aqui em uma apresentação de slides. – E esticou a pasta de volta para Henrico. – Agora, tenho de fazer algumas ligações. – Foi a deixa para Henrico sair de sua sala.

"Os seis", a quem Oliveira se referira, eram os agentes de campo que permaneciam de sobreaviso na superintendência para missões urgentes e Henrico os foi procurar na copa. O pensamento era simples: café é o combustível do todos os que trabalham em escritórios e, afinal, um escritório da Interpol não é muito diferente de um escritório empresarial qualquer.

Na copa, o aroma de café recém preparado aquecia o ambiente e a pele de Henrico, depois de tantos minutos se enregelando dentro da sala de Oliveira, foi se suavizando. Viu o agente especial Carlos Assis tomando seu café e explicou-lhe sobre a reunião, pedindo que este comunicasse aos demais agentes de plantão.

A Mão Negra (Conto em 10 capítulos - Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora