Capítulo 01

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– Aqui está senhor – disse a garçonete ao se aproximar com o prato executivo sobre a bandeja. O sorriso dela era alvo e muito bonito, e contrastava com a pele naturalmente morena de quem sabe dosar bem o próprio tempo ao sol. A moça fez questão de se inclinar, à frente de Henrico para servir-lhe, revelando um pouco mais do que a camisa social branca escondia. – Algo mais?

Ela estava em pé, com os lábios entreabertos e olhos bem abertos e atentos. Afastou um cacho de cabelo negro com a mão esquerda, o que o agente especial da Interpol acabou por mimetizar, sem perceber, mexendo de leve em seu cabelo castanho escuro e sentindo o próprio rosto e as orelhas esquentando. Henrico sabia que estava "vermelho como pimentão" e isso o envergonhava ainda mais. Agradeceu dizendo que não queria mais nada e contemplou por um breve instante, com satisfação, a garçonete se afastando com seu lindo gingado de corpo.

O aroma do peixe assado e ainda fumegante o fez salivar de imediato. Estava sem comer fazia horas e aquele prato era muito bem-vindo.

Henrico estava ali a trabalho. Era sua primeira missão externa como agente especial da Interpol e a tensão nos músculos dos ombros chegava a doer. Até mesmo os menores movimentos, como manusear os talheres, enviava pequenas ondas de dor que subiam pela nuca e desciam pela coluna cervical.

O Restaurante Peixes do Brasil, onde se encontrava, era um dos maiores da região e estava repleto de clientes à uma da tarde. Um burburinho constante de conversas, tilintar de copos e garrafas e ocasionais gargalhadas preenchia o ambiente descontraído.

Sentado sozinho, a uma mesa de dois lugares no piso elevado do grande salão, olhou para o espelho que tomava toda a parede esquerda do mezanino e confirmou que o rosto e a orelha estavam bem vermelhos mesmo, porém ficou satisfeito com sua aparência de homem-jovem aos trinta e cinco anos. O cabelo estava um pouco grande e apresentava cachos revoltos, totalmente diferente do tradicional estilo militar; as roupas eram a de um turista qualquer: camiseta regata com uma estampa de estilo surfista, uma bermuda cáqui e tênis baixo com meias curtas. Sua fisionomia de descendente de italianos e franceses, com nariz "de batata", rosto quadrado e de barba feita, testa ampla e olhos castanhos não era diferente da maioria dos turistas. A única coisa que destoava da maioria, mas não muito por estar sentado, era a elevada estatura de um metro e oitenta e cinco num corpo magro, porém atlético.

Dali de cima, podia observar o lado dos fundos do restaurante. Mais além de uma ampla parede de vidro claro, na parte de trás do lugar, havia um deque de madeira onde vários clientes comiam e bebiam à sombra de coloridos guarda-sóis. Logo após a esse deque se estendia a bela praia do Porto de Galinhas em Pernambuco. De onde estava, o agente podia contemplar os banhistas caminhando pela areia branca com o mar claro ao fundo, os barcos de pesca e as tradicionais jangadas do lugar.

Podia ver também, e muito mais próximo, seu principal alvo, um sérvio de nome Radmilo Plamem sentado em frente a outros dois indivíduos no piso inferior. A mesa onde se encontrava o trio ficava praticamente no centro do salão principal e sobre ela pendia um dos compridos e exóticos lustres inteiramente feitos de conchas brancas. Na verdade, toda a decoração do local era baseada em conchas, imensos caracóis, os maiores que ele já havia visto, e estrelas do mar. Notou, também, que apesar do nome do restaurante, Peixes do Brasil, não se via uma imagem sequer de peixe a não ser os pedaços fritos ou assados em todos os pratos que eram devorados por ele mesmo, bem como pelos demais clientes. Nas últimas duas horas o trio havia bebido, comido e, naquele momento, bebiam ainda mais e riam com descontração. A impressão da cena era de comemoração e isso causava um tremendo desconforto e preocupação no agente. A sensação era física e, além do constante vazio no peito, sentia como se seus órgãos internos estivessem sendo apertados por uma mão fria. Mas poderia ser fome também, acabou por admitir. Meia-hora antes, como os três suspeitos não sinalizavam pressa alguma em deixar o lugar, Henrico, que apenas havia bebido uma garrafa de água mineral, optou por pedir um prato. Estava com fome, tinha que admitir, e o cheiro do ambiente atiçava seu paladar, mas o principal motivo de pedir o prato era não provocar atenção, já que praticamente todos estavam comendo naquele momento.

Enquanto comia e observava atento o trio de procurados; todos um tanto parecidos, mesmo cabelo castanho claro avermelhado, num corte curto de estilo skinhead, também vestidos no mesmo estilo, com camisas polo escuras, calças jeans desbotadas, suspensórios de cores claras e feias botas pretas de cano muito longo; altos e robustos, com a pele clara e agora mais avermelhada que o cabelo, por conta, sem dúvida, do álcool que ingeriam em muita quantidade; Henrico Spada reavaliava tudo o que sabia sobre o caso. A foto e o nome Radmilo estavam na red notice, ou difusão vermelha, a lista pública de procurados da Interpol, havia vários anos e não se tinha qualquer conhecimento de seu paradeiro. Procurado por um atentado terrorista ocorrido em 2005 em Podgorica, capital de Montenegro, que acabou por matar Slavomir Scekic, então chefe adjunto da polícia criminal montenegrina e também todas as outras vinte e seis pessoas que estavam no Inpek, um dos restaurantes daquela cidade.

Um calafrio percorreu a coluna de Henrico ao pensar na ironia de estar dentro de um restaurante, tão próximo de um homem responsável por explodir outro restaurante, anos antes e a muitos quilômetros distante dali.

Poucos dias após o atentado em Montenegro, dois suspeitos foram localizados e presos. Depois foram julgados e só não receberam a pena de morte porque três anos antes esta punição havia sido abolida naquele país. Radmilo Plamem não foi encontrado, porém fora denunciado pelos dois réus, acusado de ser não apenas um dos mentores, mas também aquele que preparara os explosivos. Estar em um restaurante, próximo àquele homem, não era mesmo agradável, ainda que o tal estivesse rindo e se divertindo.

O olhar de Henrico, ainda que de soslaio, se fixou por instantes nos outros dois homens à mesa com Plamem e ele, então, rememorou a investigação que fizera sobre ambos. Eles eram Lazar Ivanic e Jovan Kolarov, outros dois balcânicos. O primeiro era também sérvio, como Radmilo, e o segundo bósnio, mas de origem sérvia. Nenhum dos dois estava na lista pública da red notice, mas ambos constavam na lista privada havia ao menos uns quatro anos. Não eram foragidos procurados, mas estavam categorizados como suspeitos de possível associação com foragidos e terroristas.

A Mão Negra (Conto em 10 capítulos - Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora