The Before: Joui Jouki

Pessimismo (I)

A cacofonia no aeroporto naquele dia era insuportável, dava para ver muitas pessoas enfurecidas por causa dos inúmeros vôos que estavam sendo cancelados naquele dia. As moças que pegam os passaportes também não estavam muito afim de explicar pra equipe de ginástica o que estava causando essa série de vôos cancelados, mas, felizmente, uma delas os permitiu passar para adentrar o nosso avião. 

Estavam indo para o Brasil, que por algum acaso desconhecido - pelos passageiros, pelo menos - não estava na lista de cancelamento, ainda bem. Partiram do aeroporto de Milão pois parecia ser o mais perto de sua última estadia, e porque o treinador estava... como ele dizia? De saco cheio para procurar outro. Não tinham se saído muito bem na  competição de ginástica que estava acontecendo em Génova, ou pelo menos foi o que o treinador havia os dito.

Tinham ficado em quarto lugar, o que para ele era uma lástima, para Joui, má sorte ou talvez até coisa pior. 

- Joui? - O asiático pôde ouvir uma voz próxima chamar, a mesma voz que o fez levantar a cabeça e recompôr a atenção. - Cara, não fica assim. Eu tenho certeza que nessa a gente leva de boa.

Lorenzo, um dos jovens que compunham equipe, podia ter a voz reconhecida a quilômetros, o palitar de dentes no fim de cada frase estridente que ele profanava toda vez que abria a boca já tinha se tornado característico dele. Ele uma vez contou que tinha nascido em Florença, na Itália, e que já tinha conhecido todos os jogadores mais famosos de futebol da liga espanhola, foi uma afirmação bem difícil de engolir, até uma foto fixada na galeria confirmar tudo.

- Não sei... não fomos tão bem semana passada, e se...

- "E se" coisa nenhuma, alegre-se rapaz, aquele quarto lugar foi um descuido meu, não vai acontecer de novo, você vai ver. 

Lorenzo D'Amico dava um sorriso amarelo toda vez que alguém se sentia pra baixo, na esperança de animar, coisa que quase sempre falhava. Com seus 22 anos de idade já alcançava a altura de 1,87 metros, o que o fazia o mais alto do grupo; tinha pele morena e olhos pretos, que combinavam com o cabelo, quase sempre raspado nas laterais.

- Ei Enzo, não sou seu empregado pra ficar levando suas coisas para todo lado. - Uma outra voz masculina se fez audível de trás de nós.

O dono desta nova voz era  outro integrante da equipe, Hans Scherer, apelidado de "alemãozinho", seus traços físicos e sua nacionalidade já eram um motivo bem claro para o apelido. Ele era mais alto do que Joui, com seus 1,75 era o segundo mais alto da equipe e a julgar pela altura do menor, "o último ginasta alto"; possuía cabelos ruivos escuros e olhos verdes, além de algumas sardas no rosto.

-  Só mais um pouquinho, pode ser? Meus ombros estavam me matando. - Lorenzo girou os ombros, alongando-os e sinalizando o local dolorido; não era tão convincente, o que sempre fazia Joui gargalhar.

- Sabe, Hans-kun? Acho que você não deveria deixar Enzo-kun te usar desse jeito. - Joui escondeu um pouco as risadas nas mangas da jaqueta de couro que tinha pegado emprestado de Enzo, pois esquecera a sua em Milão.

- Joui... - O Alemãozinho estreitou o olhar para o menor asiático e depois voltou com o semblante sério. - Tem razão, uma hora ou outra eu vou ter o troco e eu quero ver a cara dele quando isso acontecer.

Joui continuou com as risadinhas abafadas até que um homem chegou para acabar com as gracinhas. Esse homem tinha uma aparelha bem mais velha do que os três jovens, tinha uma barba semi-grisalha e olheiras sobre os olhos. Vestia um boné do Real Madrid, o que impossibilitava a exibição de seus cabelos. Ele passou pelos garotos apressadamente, iria ao mesmo avião que eles.

- Garotos, será que vocês podem se apressar? O avião decola em três minutos e a gente não pode ficar aqui perdendo tempo! - O mais velho vociferou, tirou os olhos do celular que ele tanto encarava para lançar um olhar enfurecido ao grupo de ginastas que atrasavam os passos à medida que iam papeando.

- Perdão, treinador, a gente já está indo. - Desculpou-se Hans, ao treinador que já tinha se afastado dos garotos para tentar alcançar o avião a tempo.

A bronca fez os jovens se ligarem e apertarem o passo para conseguir embarcar no avião. A viagem demorou cerca de 18 horas, tempo o suficiente do grupo parar para descansarem e se prepararem para o que estava por vir.

O menino Joui já tinha esgotado as opções de divertimento nessa viagem, havia levado a bateria de seu 3DS embora com uma longa sessão de Mario Kart 7, embora não fosse muito familiarizado com o mundo dos games, o seu videogame portátil era uma ótima válvula de escape para os problemas da vida e para, nesse caso, o tédio. Uma outra opção foi terminar algumas séries da Netflix, aproveitando que no avião tinha wi-fi. 

Abriu a câmera do celular por um momento para ver como estava a aparência, pôde ver que o topete que tinha tentado fazer no hotel em Milão já tinha se desfeito, seus olhos castanhos se destacavam no seu rosto junto com suas maçãs do rosto bem formadas.

Após terminar tudo o que podia fazer para se manter distraído, abriu um aplicativo de mensagem que utilizava para se comunicar com sua família e alguns amigos; deslizou os dedos pela tela algumas vezes e de repente na tela pôde-se ver algumas mensagens.

"Pai, chegamos no aeroporto =)"

"Tem muita gente aqui haha"

"Pai, acabamos de embarcar, acho que amanhã chegamos no Rio"

Todas estas visualizadas pelo pai do garoto, nenhuma respondida. Ele também não esperava outra coisa do próprio pai, eles não tinham uma relação estável, mal se falavam e quando tinham a oportunidade, desperdiçavam-na com nada. Joui acreditava que essa falta de diálogo era pelo fato de seu pai sempre estar ocupado com o emprego, adicionando à personalidade preocupada e seca, formava um combo "pouco fala, pouco escuta".

O sorriso do jovem se desfez instantaneamente na hora que viu as mensagens que tinha enviado não respondidas, perdeu totalmente a vontade de fazer mais alguma coisa para se distrair, encaixou os protetores de orelha fornecidos pelas aeromoças e em pouco tempo já se encontrava dormindo.