XXIX

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Quando as dúvidas se tornavam insuportáveis, vinha-me a necessidade de afirmar. Madalena tinha manha encoberta, indubitavelmente.

— Indubitavelmente, indubitavelmente, compreendem? Indubitavelmente.

As repetições continuadas traziam-me uma espécie de certeza.

Esfregava as mãos. Indubitavelmente. Antes isso que oscilar de um lado para outro.

Via-se muito bem que d. Glória era alcoviteira. Passadas mansinhas, olhos baixos, voz sumida — estava mesmo a preceito para alcoviteira. Antigamente devia ter dado com os burros na água. Alcoviteira, desencaminhara a sobrinha. Sempre de acordo, aquelas duas éguas.

Enfim o Padilha tinha sido até camarada.

Monologava com raiva:

— Obrigado, Padilha.

Sim senhor, boa bisca. Não havia gato nem cachorro em S. Bernardo que ignorasse o procedimento dela.

"Aquela mulher foi a causa da minha desgraça." Que falta de respeito! Há quem atire semelhante heresia em cima de uma senhora casada, nas barbas do marido? Há? Não há. Querem mais claro?

Padre Silvestre passou por S. Bernardo — e eu fiquei de orelha em pé, desconfiado. Deus me perdoe, desconfiei. Cavalo amarrado também come.

A infelicidade deu um pulo medonho: notei que Madalena namorava os caboclos da lavoura. Os caboclos, sim senhor.

Às vezes o bom-senso me puxava as orelhas:

— Baixa o fogo, sendeiro. Isso não tem pé nem cabeça.

Realmente, uma criatura branca, bem lavada, bem vestida, bem engomada, bem aprendida, não ia encostar-se àqueles brutos escuros, sujos, fedorentos a pituim. Os meus olhos me enganavam. Mas se os olhos me enganavam, em que me havia de fiar então? Se eu via um trabalhador de enxada fazer um aceno a ela!

Com esforço e procurando distração, conseguia reprimir-me. Era intuitivo que o aceno não podia ser para ela. Não podia.

Ora não podia!

— Mulher não vai com carrapato porque não sabe qual é o macho.

Uma tarde em que a velha Margarida subiu a ladeira a vara e a remo para visitar-nos, vigiei-a uma hora, com receio de que a pobre fosse portadora de alguma carta.

Creio que estava quase maluco.

São Bernardo (1934)Onde histórias criam vida. Descubra agora