Capítulo um

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Eu tinha apenas sete anos quando tudo aconteceu. Nós éramos muito apegadas; onde uma ia a outra estava atrás e assim foi desde que eu comecei a andar, as vezes ficávamos sentadas na varanda de noite olhando as estrelas, eu adorava isso. Até que um dia ela começou a se afastar de mim

Eu não entendia o porquê disso mas sabia que havia um motivo, ela passava o dia todo no hospital e ao chegar em casa se trancava no quarto e foi assim durante alguns mêses, eu a via apenas uma vez no dia. Me lembro de um dia ter saído mais cedo da escola e quando cheguei em casa havia uma ambulância parada na rua; eu entrei em casa e fui ver o que estava acontecendo, vi minha mãe sentada no chão e sangue escorria de seu nariz, uma imagem muito forte para uma criança de sete anos

Foi quando eu entendi a ausência de minha mãe durante esses mêses. Ela estava em um estágio avançado do câncer, eu não sabia direito o que era isso mas sabia que algo iria acontecer

- Mamãe você vai ficar bem?. - Pergunto olhando ela arrumar o lençol da cama, ao ouvir a pergunta ela para e se senta ao meu lado

- Eu irei ficar bem, meu amor. Não se preocupe. - Ela diz e sorri. Seu sorriso era tão lindo e transmitia uma enorme paz

- Você promete que nunca vai me deixar?. - Indago, ela levanta a cabeça e respira fundo, em seguida volta seu olhar á mim

- Jamais te deixarei. - Outra vez um sorriso se abre no fim de sua frase

Como toda criança otimista, eu acreditava que tudo ficaria bem e logo ela voltaria a ser a alegria da casa. Um dia ela se sentou ao meu lado enquanto eu estava brincando, em suas mãos havia uma folha de papel com linhas douradas e uma caneta, então ela fez um sinal para que eu me sentasse ao seu lado.

- Eu quero que preste atenção no que irei dizer. - Ela diz passando a mão e meus cabelos. - Haverá um dia em que irei para um lugar, um lugar longe.

- Você vai ficar lá por quanto tempo, mãe?. - Pergunto e ela faz uma pausa, como se estivesse pensando em uma resposta

- Por muito tempo, meu amor. - Ela diz e seus olhos se inundam de lágrimas. - Mas eu quero que você faça exatamente o que eu pedir, pode fazer isso?. - Ela pergunta e eu assento

Ficamos horas conversando naquela tarde, era como se eu já soubesse o que iria acontecer. Enquanto ela falava, eu só me importava em memorizar os detalhes de seu rosto, o som de sua voz, o seu cheiro, a cor de seus olhos e os cachos de seus cabelos. Então ela pegou o papel e se aproximou de mim com um sorriso no rosto.

- Neste papel irei deixar algumas regras e você tem que cumprí-las, é seu dever. - Ela me olha e suspira. - A primeira regra é que você deve ser boa com as pessoas, seja um exemplo para todos. - Enquanto falava, ela escrevia

Me lembro que a cada regra que dava, seus olhos enchiam de lágrimas. Ora ou outra ela parava de escrever e respirava fundo, em seguida voltava a escrever

- Depois que fizer isso, deve começar a faculdade. Você tem que fazer administração para que um dia possa ter sua própria empresa, igual ao seu pai, essa é a terceira regra. - Diz e continua escrevendo. - A quarta regra é a mais legal, você tem que fazer amizades, ande na companhia de pessoas que te façam feliz, vá a festas com elas.

Depois de muito tempo ela parou de escrever, me olhou e sorriu, mas esse sorriso era diferente dos outros. Havia um dor nele, sua pele começou a ficar fria e pálida e suas mãos trêmulas

- Essa é a última regra, você tem que se casar, mas que seja com a pessoa certa. - Ela diz baixo

- E como vou saber quem é a pessoa certa?. - Pergunto e ela sorri, pega em minha mão e suspira

- Borboletas. Quando borboletas voarem em seu estômago irá saber que encontrou a pessoa certa. Mas atenção, você só pode se casar com seu sexto namorado. - Ela diz e me abraça. - Mas você tem que me prometer que vai cumprir todas as regras da listas.

- Eu prometo, mãe. - Digo e a abraço outra vez

O segundo abraço foi mais demorado, o mais apertado; o melhor que eu tinha recebido de todos os que ela já havia me dado. Então nos brincamos o resto da tarde, deitamos na grama do jardim e rimos das formas das nuvens, comemos os nossos biscoitos favoritos, aqueles com gotas de chocolate e assistimos desenhos até a hora de dormir

Ela me levou para a cama, se deitou ao meu lado e me entregou o papel com todas as regras, depois de ouvir uma história peguei no sono. Me lembro de ter acordado no dia seguinte com alguém chorando, saí da cama sem que ninguém percebesse e ao chegar no quarto de minha mãe a vi imóvel na cama, olhei para trás e vi minha avó chorando, ela fez um gesto para que eu me aproximasse então ela me abraçou. Não precisou que dissesse uma palavra para que eu entendesse o que estava acontecendo

Foi quando eu presenciei a primeira perda da minha vida. Me lembro de ter ido á igreja naquele dia, todos vestiam trajes pretos e estavam chorando, olhei para cima e tive a visão de minha avó olhando para frente enquanto puxava minha mão, quando notou meu olhar sobre ela deu um breve sorriso como se estivesse dizendo "Não se preocupe, vai ficar tudo bem." e ao voltar minha visão para frente vi algo grande, para mim parecia ser uma caixa de madeira

Minha avó me pegou no colo e se aproximou daquela caixa, lá dentro vi minha mãe dormindo e junto a ela havia rosas brancas, suas favoritas. Lembro de olhar para minha avó ainda em seu colo e perguntar "Ela não vai acordar, vó?." e sem obter respostas eu entendi o que tinha acontecido e que ela não ia mais acordar

Quando chegamos em casa tudo estava exatamente como minha mãe tinha deixado, só que agora mais triste. Eu fui para o quarto dela e fiquei deitada por horas em sua cama, abraçava seu travesseiro e respirava fundo ao sentir o cheiro dela na fronha, e foi assim durante muito tempo. Sempre que chegava da escola ia para seu quarto e ficava lá até a hora de dormir e ao sair do cômodo, olhava para a cama e dizia "Boa noite, mãe."

Na verdade eu nunca entendi direito o que é a morte, você simplesmente fecha os olhos e dorme, te colocam em uma caixa de madeira e enterram. E depois?
Eu nunca chorei pela perda de minha mãe, talvez porque eu sempre senti sua presença comigo e de certa forma sabia que não estava sozinha. Um dia arrumando meu quarto, encontrei a lista com as nove regras, me sentei na cama e abri o papel, li cada item com atenção e olhei para a foto dela no criado mudo perto da cama, me levantei e ao me aproximar da foto senti um aperto no coração

- Eu prometo que vou cumprir todas as regras e ser a mulher que você gostaria que eu fosse, mãe!. - Digo

Então eu soube, minha vida começava alí, eu seria uma mulher excepcional como minha mãe foi!

As regras do amor {Em pausa}Onde histórias criam vida. Descubra agora