Capítulo 1 - Eu sei o que quero

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Uma semana havia se passado desde que Katniss confirmara que me amava. Meus devaneios, as perdas de consciência e os tormentos deixados pelos restos de veneno das teleguiadas em meu corpo pareciam ter sofrido um apaziguamento desde então. A maioria de minhas dúvidas - ponto no qual Snow insistiu em focar sua tortura - rondavam acerca das reais intenções de Katniss. Apesar de sempre deixar que o tempo ajudasse a curar a vísivel pouca importância que ela me dava, cada vez em que senti um nó na garganta devido ao seu desprezo fora mil vezes amplificado, intensificado e usado para que eu adquirisse um ódio mortal pela mulher que eu amava.

Eu, no entanto, provando a mim mesmo que era impossível restringir minha mente somente ao medo, fui atingido pela confirmação do amor de Katniss de uma forma praticamente terapêutica. E foi só então que pude perceber que haveria de cuidar daquela mulher como se fôssemos um só; como se a dor que ela carregasse fosse tão minha quanto sua. E de fato, ela era.

Acordei no meio da noite ao ouvir mais um dos gritos de Katniss. Eu já nem voltava para casa no fim do dia mais. Era ali, num colchão estendido no meio da sala, que repousava para poder estar mais perto dela quando precisasse abraçá-la e fazer com que os pesadelos parassem. Levantei-me, então, correndo em direção ao seu quarto e ela já estava acordada, sentada na beirada da cama, suando e um pouco ofegante.

_Você quer me contar, dessa vez? - sentei-me ao seu lado e passei meu braço esquerdo ao redor de seus ombros -.

_Bestantes... ela era uma deles. Dois olhinhos doces e azuis se aproximavam e a criatura vinha em minha direção com uma sede de sangue horrivel... - Katniss estava começando a soluçar enquanto falava - E, de repente, eu ouvia sua voz perguntando: Porque eu? Porque eu?

_Shi, Katniss, está tudo bem, calma... não era ela.

Afaguei seu rosto com uma das mãos, puxando-a para o meu abraço e, com a outra, acariciei sua bochecha devagar. Eu não precisava mais perguntar quem era a menina de seus sonhos. Tão óbvio quanto para quem meu ódio estava direcionado em meus dias de tormenta, era a agonia que a lembrança de Prim causava em Katniss. E cada dia mais essas rememorações se tornavam piores, especialmente quando Buttercup resolvia aparecer pela casa durante o dia e miar numa sofreguidão que só fazia lembrar o fato de Prim não estar mais ali.

_Venha cá, você vai ficar bem... nós vamos ficar bem.

Recostei-me na parede em que a cama estava colada ainda envolvendo Katniss e deitei-me junto a ela, mantendo meus dedos em seus cabelos, separando cada fio e massageando-os para que ela se acalmasse. Ela não parava de chorar, eu podia sentir o lençol úmido abaixo de nós, no que parecia ter sido obra de uma noite toda em prantos, até o momento em que fora acordada pelos pesadelos. Meus esforços pareciam tão poucos. Era impossível não sentir uma pitada de desespero enquanto suas lágrimas caíam. Seu corpo quente aninhado ao meu exclamava por proteção. E era urgente. Eu podia sentir a vulnerabilidade exalando pelos poros de Katniss e atingindo-me como se fossem pequenas agulhas bem afiadas.

Mexi meu corpo para me moldar a ela e ouvi um praguejar pouco sonoro.

_Você ainda está acordada?

_Não consigo mais fechar os olhos. Tenho medo de voltar àquela cena.

Eu a entendia. Cada vez em que minha mente começava a dar indícios de que iria se perder, de que eu entraria num pânico súbito e perderia o controle, utilizava da dor para fazer com que o mundo real voltasse a mim. Não sabia ao certo se aquela era a maneira recomendável de afastar meus monstros, mas parecia, de alguma forma, ser a mais eficaz. Obviamente, a Capital não me torturou e logo em seguida deixara um manual de instruções em meus bolsos sobre como lidar com a loucura.

_Posso tentar uma coisa? - puxei seu rosto para o meu lado fazendo com que nossos olhos se encontrassem -.

_Qualquer coisa que me faça melhorar - respondeu Katniss num tom baixo e quase desesperado -.

Desde que ela havia respondido verdadeiro à minha pergunta sobre o fato de me amar, não havíamos nos beijado. Juntei meus lábios aos seus, então, puxando a parte inferior de sua boca para mim de forma sutil. Katniss pareceu não resistir e então virei seu corpo todo para mim. Apoiei-me em meu cotovelo direito sobre o travesseiro e pousei a mão esquerda em sua cintura, tomando posse de seu corpo para mim. Seus olhos abertos mantiveram contato com os meus, como em todas as vezes em que cruzávamos o olhar, perdidos num mar de indecisões e sentimentos arrebatadores durante os últimos anos.

_Saiba disso mais uma vez: eu te amo, Katniss.

Sem pestanejar, Katniss entonou o que eu sempre quis ouvir em palavras.

_Eu também amo você, Peeta.

E então voltamos a colar nossos lábios vagarosamente, como duas crianças que simplesmente ainda procuravam como fazer aquele simples movimento. Sua boca entreaberta se descolou da minha e logo beijei-a novamente, dessa vez, tocando minha língua na sua. Ela tinha o gosto de violeta, pensei. O adocicado sabor da flor que usamos para salpicar a salada durante o jantar ainda estava em sua boca. Meus sentidos todos se aguçaram. Sua língua se tornou mais urgente a procurar pelo minha e então, logo suas mãos estavam apertando meu antebraço num pedido claro para que nosso contato fosse mais íntimo.

Eu nunca havia sentido Katniss tão afoita, como naquele instante. Não desde que ela havia me beijado na arena do Massacre Quaternário. Seus lábios pareciam não querer se desgrudar dos meus por nada e os meus, muito menos. Passei a apertar meus dedos em sua cintura, puxando seu corpo um pouco mais contra o meu e sua perna direita deslizou sobre a minha, de forma que nossos corpos se encaixaram. Senti o calor começar a emanar da altura do meu pescoço, descendo e percorrendo toda minha pele e aquela sensação me causava uma tontura viciante. A boca de Katniss colada a minha, seus movimentos ávidos à procura de que menos e menos espaço estivesse entre nos dois arrancaram-me do canto que eu ocupava na cama e fizeram com que me postasse logo acima de seu corpo, encaixado entre o abraço de suas pernas ao redor do meu quadril.

_Você tem certeza que...

_Shii... - Katniss me calou com a ponta do indicador direito -.

Eu podia notar lágrimas escapando de seus olhos, mas ao mesmo tempo também percebia que seu corpo se movia pressionando o meu. Seus lábios tremiam à medida que tentava controlar suas emoções, pensamentos, lembranças ou o que quer que fosse que a atormentava.

_Katniss, você quer...

_Peeta, por favor, eu quero.

E eu queria tanto quanto ela.

Voltei a beijá-la. Suas mãos envolveram a parte de trás do meu pescoço e o abraço de suas pernas ficou ainda mais apertado ao meu redor. Meu corpo reagia como o de um garoto inflamado pelo desejo e eu podia sentir que Katniss ofegava ao sentir-me tão invasivo. Nenhum de nós dois sabia muito bem o que faríamos. Nenhum de nós dois já havíamos sentido de tão perto a força de um toque tão completo, de uma união de corpos tão inflamável. Nem eu e nem Katniss sequer sabíamos lidar com a dor, as lágrimas e o desespero paradoxal daquele momento.

Foi então que meus ouvidos captaram sua voz baixa pedindo por mim, entredentes. O pouco que me restou de minha mente sem estar em completo despreparo para aquele momento se acendeu, certa de que nós não estávamos nos precipitando. Eu não estava forçando aquele momento: era simplesmente natural. E por mais que tenha esperado que ela viesse até mim num momento completamente diferente, que nossos olhos estivessem repletos de uma alegria e de um desejo lancinante, eu sabia, bem no fundo, que nossa dor faria parte, também, de cada segundo de alívio até que os fantasmas do passado fossem aniquilados de uma vez.

_Peeta, eu sei o que quero. Eu sei.

Ela repetia várias vezes aquela frase no intervalo de cada um dos nossos beijos.

Pois eu também sei o que quero, Katniss.

Eu sempre soube o que quis.

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