Katniss PDV
_Peeta...
Ele nem sequer me olhou.
Seus olhos fugiram para um ponto remoto da cozinha, fitando o nada e cheio de arrependimentos por ter tocado no nome de Gale. Ainda doía. Eu não sabia simplesmente ignorar o fato de que tinha de conviver com o afastamento do meu melhor amigo desde a infância, para que pudesse viver minha vida e procurar uma paz, em meio a tantos escombros, que só Peeta saberia me dar. Mas as palavras não saíam. O momento para dizer um outro eu amo você jogado em meio a uma discussão não era aquele. Eu nunca sabia ao certo quais eram os momentos certos para o uso daquela expressão.
Porque parecia tão difícil para mim conviver com sentimentos? Talvez a resposta estivesse guardada num íntimo tão profundo dentro de mim, que se tornara inacessível ao longo dos anos.
~
Quando Peeta atravessou a porta visivelmente chateado, joguei meu corpo sobre o sofá na sala e fiquei vários minutos a fitar o teto. Aquela casa, toda aquela falsa sensação de estar numa área do Distrito em que os supostos vitoriosos de algo estariam, ainda me enojavam. Ali Prim havia estado. Ali Gale havia se deitado sobre uma maca improvisada todo ensanguentado. Ali minha mãe havia chorado comigo, sido forte e se mostrado muito mais firme do que jamais vira, após a morte de meu pai. E ali, naquele mesmo lugar, Snow e seus capitalescos adentraram para ameaçar a vida daqueles que eu amava.
Em meio a tantas memórias, a voz de Dr. Aurelius ressoava em minha cabeça, dizendo repetidas vezes que conviver com a dor seria difícil, mas que seria a única maneira de crescer e ainda ser eu mesma. Eu duvidava que depois de tantos anos seria, de fato, eu mesma, mas com certeza sabia que queria manter dentro de mim a Katniss que se voluntariou pela irmã para salvá-la. A mesma pela qual Peeta e Gale se apaixonaram. E a mesma que um dia fora tudo que sua mãe tivera para se manter de pé. Àquela Katniss valia a pena se prender.
~
O telefone tremeu, tirando-me de um sono leve em que havia caído, e logo eu estava correndo para atendê-lo. Os únicos que ainda me ligavam eram Haymitch - para dar uma de pai, por mais bêbado que estivesse -, Effie e meu médico. Não sabia exatamente o porquê de essa vez ter vontade de me dirigir ao telefone com tanta rapidez, porém o fiz e não fui tão surpreendida, inicialmente.
_Olá, Katniss - Dr. Aurelius saudou-me, sempre muito educado -.
_Boa tarde, Doutor.
_Peeta está em casa? - a pergunta me pareceu estranha, mas não quis fazer parecer que seria estranho ele estar ligando para mim para perguntar de Peeta, quando o próprio tinha seu telefone -.
_Não está, não. Ele saiu daqui há algumas horas. Porque, Doutor? Tentou ligar na casa dele?
_Não, na verdade só queria confirmar se você estava sozinha.
Pronto.
Aquele era o presságio para más notícias. Será que algo de ruim estava acontecendo com Peeta e eu não sabia? Dr. Aurelius estaria tentando me alertar sobre algo sobre seu tratamento? Todas as possibilidades eram válidas, já que nos últimos dias pude perceber Peeta tentando se controlar várias vezes, apesar de não demonstrar isso ou falar sobre seus problemas em voz alta. Quando fomos à floresta, por exemplo, seus olhos se encheram de um negro tão profundo, suas pupilas enormes quase taparam o azul de seus olhos, e logo ele fazia com que seu tormento fosse canalizado pelo aperto de suas mãos em minha cintura. As marcas ainda estavam ali e todas as vezes em que estivemos juntos, Peeta passou os dedos devagar nas marcas que ele mesmo fizera e beijou-as, em seguida, trazendo um sentimento de culpa em seus olhos. Eu apenas afagava seus cabelos e puxava seu rosto para um beijo: aquilo não era culpa dele.
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Refugiados
Roman d'amourApós sofrer com o horror da guerra contra a Capital, a morte de Prim e o rótulo de assassina que havia colocado em si mesma, Katniss cede espaço a Peeta em sua vida, rendendo-se à tranquilidade e ao amor que ele podia lhe dar. Mas os pesadelos, fant...