Capítulo 6 - Promessas

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Meus olhos lacrimejaram quando tentei abri-los. Eu tinha certeza de que a metade de minha existência até aquele dia havia sido gasta em camas de hospitais. E pela forma como tudo andava - Peeta Mellark cada vez mais descontrolado - eu chegaria talvez a dois terços de uma vida numa cama até o dia em que finalmente morresse. Algo gelado percorria minhas veias, o que gerava uma sensação de alívio reconfortante em meu estômago meio revirado.

_É só soro - respondeu-me uma voz conhecida, que eu supunha ser de Katniss, mesmo sem conseguir distinguir muito bem suas feições -.

Remexi meu corpo que parecia estar deslocado sobre os lençois e ajeitei-me devagar, meio tonto, sentando-me na cama. Respirei fundo o que parecia ser uma essência de eucalipto colocada em meus aposentos propositalemente e um sorriso ingênuo escapou de meus lábios ainda fechados.

_Eu sei que você gosta - disse-me Katniss -.

_Sabe? - respondi surpreso -.

_A maioria de suas receitas tem um toque de eucalipto. No ínicio achei ser algum tipo de tempero especial, mas daí fui percebendo aos poucos que o mágico mesmo era aquele aroma…

Katniss deixou a frase meio solta no ar e sorriu, mostrando-me os dentes. Poucas vezes eu via Katniss sorrir. Lembrava-me de uma dessas vezes em especial, um riso meio sem graça, quando propus a ela que nos conhecêssemos melhor. Saber sua cor preferida parecia bobo demais ou talvez íntimo demais naquela época. Mas era o mínimo que eu podia saber sobre a garota que eu amava. E hoje, irônicamente, perceber que ela havia prestado atenção num detalhe tão pequeno das minha manias culinárias fazia com que uma calma se instalasse em meu corpo todo. Um dia Katniss me amaria como eu a amava.

_Posso te fazer uma pergunta?

Ela acenou positivamente com a cabeça mantendo uma distância saudável de mim.

_Katniss é uma planta comestível?

Por um instante ela sorriu sem jeito, não esperando algo tão aleatório depois de um período em que eu havia estado quase a beira da loucura mais uma vez.

_É sim. Mas na única vez que a colhi ela tinha gosto de nada. Plantas aquáticas geralmente perdem o gosto, se comermos elas cruas.

Plantas aquáticas.

Aquilo era suficiente para colocar meu delírio na casa de um sonho. Eu muito menos havia recebido um recado de Snow - refletido na água ao invés de o meu rosto - nem sequer havia encontrado katniss por um campo aberto em meio a margaridas.

_Porque a pergunta? - ela havia ficado inquieta -.

_Nada de mais. Posso fazer algo pra você um dia com elas, se quiser.

_Quero sim - Katniss respondeu-me e sorriu timidamente -.

A distância que ela mantinha entre eu e seu corpo era um pouco maior do que eu desejava que fosse. Eu nunca a julgaria, porém. Um dos poucos flashes que ainda rondavam minha cabeça era o de empurrá-la para longe e ver seus olhos cheios de lágrimas, enquanto minha mente era tomada por Thomas, deliberadamente. O curativo em seu braço era visível, prova de que eu havia machucado Katniss mais uma vez e talvez isso fosse tão recorrente que chegava a me dar náuseas.

_Eu sei que você nunca vai estar segura perto de mim.

_Dr. Aurelius me disse que…

_Não interessa o que ele disse… - interrompi-a com um pesar na voz - Eu sou um eterno perturbado, Katniss.

Reparei que seus olhos percorreram toda a sala, em especial um canto ao lado da porta em que havia uma pequena caixa coberta com vidro, no que parecia estar instalada uma câmera. Katniss, então, pegou um pano sobre a bandeja com frutas que ficava do lado da minha cama e cobriu a caixa, isolando-nos do mundo do lado de fora. Pensei em reclamar, mas logo ela se direcionou à porta e também trancou-a por dentro.

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