Nove

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  Com os olhos fechados pressenti a luz e o estalo do interruptor, abri meus olhos lentamente e observei Jonathan me olhando com a cabeça encostada na porta ainda com as mãos sobre o interruptor.

— Se parece comigo quando cheguei aqui.— Sua voz rouca e grave ecoou pelo quarto.

—Saia daqui, não preciso de você agora, não preciso de ninguém, não somos amigos.— Disse ríspido com as lágrimas ainda escorrendo.

— O que você queria que eu fizesse Vênus? Agisse como um ser humano e perdesse tudo? As coisas não funcionam assim por aqui e você precisa entender de uma vez por todas, mesmo que doa e mesmo que isso arranque seu coração veia por veia, artéria por artéria.— Ele caminhou.—
Henrique diz e nós fazemos, mas ele não é como um político na época de eleição, é como um rei numa guerra, ele luta no jogo pela própria vida como nós.— Jonathan não se move e encara o teto enquanto diz.

— Você é o cachorrinho dele, e não diga "nós"— Disse fazendo aspas com as mãos.— Eu não faço parte disso.—

— Você não o conhece, o jogo é dele, esse lugar é dele, você esta no jogo, quer você queira ou não! — Jonathan caminha até a janela e me observa.

— Ele não vai me manipular.—

— Acha que Lucas, Kira e eu queríamos estar passando por isso? Estamos sendo chanteageados e passando por coisas externas maiores do que possa imaginar, enquanto você chora como um adolescente patético só por que teve um dia ruim! — Ele aumenta otom de voz e eu me levanto.
Talvez ele esteja certo, mas eu não vou deixar que ele saiba que está.

— Quem você pensa que é pra falar assim comigo?!— Gritei chegando perto dele.

— Eu sou o do cachorrinho de Henrique, faço isso pra continuar aqui por que não tenho para onde ir, minha família foi embora ano passado e me deixaram para trás, sem nada, não tenho como pagar esse lugar, Henrique paga para que eu possa sobreviver, já seus pais morreram, não rejeitaram você por conta de uma rebeldia, agradeça por pelo menos um vez por ter sido amado por alguém.— Jonathan diz por fim saindo como se eu não fosse nada, talvez eu não seja mais mesmo depois daquilo, me sinto patético.

As lagrimas rebeldes simplismente voltam a cair, meus olhos ardem e meu corpo queima, a revolta é um sentimento horrível, como Jonathan pode me comparar com ele dessa forma.

Me deito na cama e me encolho, sentindo toda a dor que consigo sentir.

Talvez eu seja mesmo dramático, um adolescente patético reclamando da vida e sentindo tudo intensamente, mas  é oque eu sinto e eu não deveria ser julgado por isso, ninguém respeita meus sentimentos e meus questionamentos aqui.
Alguns pensamentos suicidas pairam sobre mim, não há motivos para ficar aqui, e nem motivos para lutar pela vida, eu poderia simplismente ignorar tudo e assinar o maldito papel, mas eu não o farei, eu posso não gostar da minha vida mas respeito a vida dos outros, e não vou me juntar a assassinos.
Uma garota morreu, e todos são culpados, negligêntes e sem coração. Permitiram que ela morresse e Erick se julga no direito de me culpar.

Adormeci entre soluços e meu corpo dolorido despertou no dia seguinte, o sol iluminou o quarto com uma luz como folhas secas brilhantes, Lucas está deitado em sua cama e percebo que é cedo demais para as aulas.
Me levanto lentamente e me lembro do terror da noite anterior, as palavras de Jonathan surgem picadas na minha cabeça dolorida de tanto chorar.
Pego uma roupa qualquer no meu pequena guarda roupa e vou em direção ao banheiro que sei que está vazio.
Da mesmo forma que ontem, fico apenas de cueca e começo meu banho, a água esquenta e relaxo sentindo o frio da manhã se desvair, o vapor cria novamente uma neblina, pesada e espeça, meu corpo treme, com a voz que surge num silêncio sombrio e ao mesmo tempo acalentador.

— Ontem agi de forma errada com você.— A voz de Jonathan é reconhecível e inconfundível, sinto que está na cabine ao lado da minha, mas ele não está se banhando.
Não respondo e continuo agindo como se ele não extivesse ali ou como se simplesmente não existisse.
— Vênus. — Ele diz suplicante e dengoso e quase me derreto, mas ele não merece que eu sinta isso.

Saio do chuveiro me enrolando rapidamente na toalha.

— Tem que entender que não faço essas coisas por que quero, faço por que preciso.— Ele está atrás de mim enquanto penteio meus cabelos me encarando no espelho.
Eu me viro e o observo ser expressão, mas estou borbulhando em sentimentos ruins. Talvez até mais melancólicos do que ruins.

— Você não precisa, faz por que não consegue viver sem o conforto da riqueza que tinha com os seus pais, você é como eu, não consegue aceitar o que perdeu.— Respiro e olho novamente para meu reflexo pálido e cansado.— Mas eu não sou mais assim.—

— Você não entende Vênus, não é só por causa do que eu tinha, é por causa da minha família.—

Fiquei em silêncio.

— Eu tentei fazer com que você me entendesse Vênus, mas você não quer entender.—

— Não tem oque entender.—

Um garoto de óculos entra no banheiro de repente, sentindo o clima tenso que pairava no ar úmido.

— Eu tentei.— Jonathan sai. Eu me visto e saio do banheiro.

Esse não é o meu lugar, nunca foi.

Estou no refeitório, o sinal para o café ainda não tocou, mas ele está sendo servido.
Torradas um pouco queimadas, morangos e pão, a mesma coisa em todas as mesas, suco, café e leite.
O sinal finalmente toca e todos já estão á mesa, jonathan me encara, Kira e Lucas não sentaram comigo, na verdade, ninguém sentou.
Pela primeira vez vejo Henrique na escola, acho que só não o vi antes por que eu não havia procurado. Ele me observa com um pequeno sorriso malicioso e abocanha seu morango suculento e meio azedo, seu maxilar contrai ao sentir o cítrico sabor do morango, é patético estar sozinho numa mesa tão grande, mas eu não estou encomodado.

Não vou ficar aqui. Não posso ficar aqui.

Me Chame De Vênus Onde histórias criam vida. Descubra agora