Anna
“Mari, está pronta? Saio de casa em 10 minutos.” Nem preciso dizer que sou eu, Mari está acostumada com meu jeito meio grosso de ser.
“Anna”, ela tem mania de gritar meu nome, “desculpa amiga! Vim ontem, o Jú queria acordar aqui; esqueci de avisar. Na verdade, mandei uma mensagem quando estava saindo de casa, recebeu não?”
“Tranquilo amiga. Vou tomar café e pego a estrada, Marquinho tá ansioso pra ver as gatinhas durante o feriado. Não sei a quem esse menino puxou.” Caímos na gargalhada.
Mariana é minha amiga desde a faculdade. Somos mais diferentes que o sol e a lua. Eu sou a lua. Mari é solar, pra cima. Mesmo quando está mal, não deixa quase ninguém perceber.
Eu? Não tenho humor. Fica mais fácil descrever assim. Ela é mais alta do que eu. E para meu total e completo ódio, também é muito mais esguia. Eu tenho um corpo de causar inveja em muita menina de 20 anos. Mas sou cheia de curvas.
Entramos na faculdade com 17 anos. Os bebês da turma. Ela, a quieta com o diabo no corpo: virgem, claro. Eu, saindo do interior, com cara de menina e olhar assustado para tudo. Só não era mais virgem, resolvi esse problema antes de mudar oficialmente para o Rio de Janeiro. Nos identificamos de cara e passamos a andar juntas o tempo todo. A princípio, fui morar com uma tia. Claro que papai não me deixaria morar sozinha na cidade, mas isso se resolveu em seis meses. Comecei a trabalhar e eu e Mari completamos 18 anos. Aluguei um apartamento e me tornei a rainha da festa. E mudei de curso. Depois do primeiro período, percebi que essa coisa de jornal, revista, rádio não era minha praia. Mudei para arquitetura. Ela sempre foi uma jornalista, acho que nasceu assim.
Mesmo em cursos diferentes, continuávamos inseparáveis. Eu passava mais tempo na casa dela do que na minha. Aliás, eu só ia ao meu apartamento para trocar de roupa e para as festas.
“Mãe, acorda... Tá no mundo da lua? E então, posso ou não levar o carro?”
Meu Deus, estou tão distraída que nem noto Marco Antônio terminando de arrumar as coisas.
“Você acha mesmo que tem idade para dirigir na estrada criatura?”
“Mãe, dirijo desde os 16 anos.”
“Na cidade do seu pai, aqui só tirou carteira aos 18, ou seja, ano passado.” Dou um beijo e entrego a chave para ele. “Vai, leva o carro. Estou cansada”.
Mesmo para um sábado, antevéspera de feriado, a estrada está ótima. Esqueci de contar esse detalhe: estamos indo para nossa ‘tradição’ de aniversário. Eu nasci no dia 17 de abril, quase à meia-noite; ela nasceu em 17 de maio, quase ao meio-dia. E, sempre que podemos, fugimos no feriado de abril para nossas casas de praia. Somos vizinhas em um condomínio em Cabo Frio, projetei as duas casas e nossas salas ficam de frente uma para outra, assim como os decks das piscinas. Só que o meu deck tem uma parte coberta e escondida, odeio sol.
“Mãe, é sério que você precisa usar um biquíni menor que os das minhas amigas?” Sempre viajo de biquíni. Gosto de mar, sol e calor? Óbvio que não. Mas Mari é viciada nisso e, como em amizade algumas vezes fazemos coisas que não gostamos, lá vou eu para praia, para nossa ‘tradição de aniversário’. Passar o feriado em nossas casas de praia. Meu aniversário foi ontem e, pela primeira vez em anos, não comemorei. Não estou com cabeça para isso, perdi uns clientes importantes, o escritório mesmo indo bem anda me dando muita dor de cabeça. Preferi não comemorar. Nem mesmo no jantar que a Mari preparou eu fui. Ontem estava passando mal, uma crise de enxaqueca das brabas e uma reunião que demorou mais do que gostaria. Deve ter sido por isso que ela viajou ontem, está magoada pelo trabalho de preparar um jantar e a aniversariante não aparecer. Bom, essa é mais uma das minhas marcas de aniversário, eu costumo não aparecer nas festas e comemorações.
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Um dia de sol
Historia CortaTudo pode acontecer em um feriado com amigos, em um dia de sol. Inclusive um amor impossível.