Capítulo I

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I

Havia dez dias, ele caminhava sem parar e estava próximo ao colapso. Precisava encontrar abrigo. Em uma vila, com casas e edifícios, que impedissem o vento. Ela lhe alcançaria mais rápido no descampado.

Mas era fim de tarde, e não havia sinal de povoamento na colorida paisagem desértica. Fazia era mais frio à medida que anoitecia, e JK apertou a cobertura de peles contra o pescoço enquanto alargava passos instáveis. Continuaria andando, pois não sabia nem se conseguia acender o fogo. Estava exausto. Sua visão ficava confusa. A realidade partindo-se em milhões de pedaços à sua frente, vibrando enquanto se estilhaçava.

Mas antes que pudesse cair, JK ouviu o barulho. O falcão que o seguia desde a pradaria. A ave de rapina produzia uma grande variedade de sons e utilizava os mais estridentes para despertá-lo sempre que estava prestes a cair. E havia dez dias não permitia que ele parasse. JK sabia que de alguma forma ele queria lhe manter vivo, mesmo à custa da própria sobrevivência.

E não muito depois, do alto de um monte, enxergou aliviado a fileira de casas de barro ocre típicas da região. Provavelmente um entreposto entre Astrar e Ida, que não poderiam estar muito longe. Parou um minuto para respirar e recuperar as forças. Ainda tinha que conseguir um lugar para ficar. Quando pode, aproximou-se devagar, pela entrada lateral da urbe, onde havia menos homens trabalhando.

Lobos. Percebeu logo, pelo tipo físico e o cheiro. Eram também a espécie geralmente responsável pelo comércio no Norte, sobretudo fora das cidades, por isso, maioria em um lugar assim. Mesmo alguém que sempre viveu longe das cidades ancestrais saberia disso, pois vez ou outra um aparecia nos vilarejos. Muitos olharam para JK, comentando entre si enquanto ele atravessava a rua em direção ao que parecia ser a hospedaria.

Havia algo escrito no grande portal de madeira, mas em uma língua que ele não entendia. Bateu duas vezes com o punho na porta dupla. Apareceu um homem, velho e grande como os lobos, já quase sem cabelos e com um avental usado na cintura. Olhou JK com espanto, como se ele não combinasse com a paisagem, e perguntou o que ele queria.

"Estou indo para Astrar. Tenho família lá. Preciso de local para ficar e também juntar algum dinheiro para a viagem"

"Aqui?", ele riu. "Aqui não tem emprego, rapaz, aqui tem quantidade de vagabundo, muito mais fortes que você. Se quiser abrigo, te ofereço minha cozinha, se você ajudar...Mas se quiser dinheiro, única opção por essas bandas é o serviço..." E perguntou descrente, contemplando o jovem bem cuidado, "Você já serviu um alfa?"

O velho se referia a picos semestrais de testosterona que afetavam os lobisomens alfas por dias. Em localidades assim, interpostos comerciais mantinham ômegas para lhe servirem como acompanhantes pagos. Quase nunca eles mesmos lobos, JK ouvira dizer, devido ao risco de concepção.

"Quanto que paga?"

"Duas moedas de prata por dia, ou uma de ouro pelos três dias e as três noites. A maioria só contrata por um dia" Era pouco e melhor que nada. "Mas aqui você consegue alguém para te levar até Astrar por pouco mais do que isso. Muitos tem que ir levar mercadoria e vão apreciar a companhia. Você vai precisar pro cavalo, que é coisa cara. Não sendo lobo, não vai chegar lá à pé"

O velho o conduziu pela escada longa e estreita para dentro da hospedaria. Ele tinha chegado pelo descampado e não trazia nada consigo, o homem notou, mas não fez perguntas. Nem frio, nem vento, pensou, por sua vez, JK, aliviado. Chegaram a uma grande cozinha, suja e desorganizada como tudo ao redor. Ele deu de comer a JK pão com carne e uma caneca de vinho quente. Era sua primeira refeição decente em várias semanas e ultimamente caminhava enjoado de fome.

Tempestade de AreiaOnde histórias criam vida. Descubra agora