IV

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IV

A paisagem mudou quando eles deixaram o deserto. Ficaram para trás as dunas e veio a vegetação contínua, torcida e esparsa mas com suas riquezas. Vez ou outra viam já uma casa, um vilarejo longe, sinais de que a cidade estava perto. 

Enquanto eles andavam, as pedras emparedavam os caminhos, gargantas e desfiladeiros criados por rios subterrâneos. Também viam desenhos e palavras escritas nas pedras em língua perdidas ao longo de eras, que fascinavam JK.

Ele descobriu o pescoço por causa do calor, um xale de linho de cor clara bem gasto que usava por debaixo das peles. TH notou que os roxos sumiram. Ele os vira mudando de cor ao longo dos dias. JK estava sujo, mas sem marcas.

Os dois pararam sob uma árvore para descansar. Havia bastante sombra. O bruxo tinha fechado os olhos e encostado a nuca em uma pedra, que protegida do sol que era, estava mais fria que o corpo, e se imaginou se misturando com ela, seu cheiro de pedra, seu toque de pedra, vibrando em menor frequência que o resto das coisas. Quando abriu os olhos, sentiu o arrepio de TH olhando e se virou para ele.

TH levantou rosto no mesmo instante. A árvore estava carregada de frutinhas amarelas. Ele cheirou, abriu uma delas e comeu um pouco de poupa, em seguida deu o resto para JK, que aceitou sem hesitar.

"Ãh!...é tão doce... mela a boca... meus lábios estão grudando por causa do mel", JK disse.

TH achou graça, abriu um sorriso, tão bonito, JK gostou de ver. "Abiu do deserto é assim, muitas frutas daqui são"

"É bom, muito bom...", JK riu também, sentindo a cola.

"Quando você beber água, vai sair" TH lhe passou o cantil. "Você pode se lavar se quiser. Tem água suficiente no outro"

JK hesitou, mas não muito. "Tá bom...só um pouco" E ali mesmo tentou se refrescar como podia, tirando a poeira do rosto, do pescoço, das mãos.

TH continuou olhando, distraidamente. O cabelo molhado, crescido, que JK colocava atrás da orelha, a blusa que a água escorrida tornava mais transparente.

JK percebeu, seu coração deu um pique. Depois de um tempo ele teve coragem e levantou o rosto, encarou TH. Seus olhos se cruzaram por algum instantes até que TH se desse conta.

Mas antes que o outro virasse completamente o rosto de novo, JK levou o cantil à boca, e sem pensar tentou prender sua atenção, deixou cair outro fio d'água pelo pescoço, pelo pomo de Adão.

Os olhos de TH quase se fecharam, viraram um risco preto no rosto masculino.

"Você está tentando me enfeitiçar, JK?"

"Não estou usando mágica, se quer saber..."

"Melhor não, você não quer ser encontrado pelo astro antes de sair desse lugar, não é?", a voz profunda, envolvente, "eu também não", disse antes de se levantar e se afastar.

Fato era que JK não estava tentando seduzir TH. Ele fazia sem pensar. Era seu corpo que queria. Apesar das circunstâncias em que se encontravam. Ele queria a atenção de TH. Desde que viu TH, ele desejara isso. No fundo, desejara isso. Seu desejo era apenas consistente.

E quando o lobo voltou para salvá-lo, sem obrigação, só por ser como é, ele percebeu os próprios sentimentos. Entendeu que se às vezes seus batimentos se aceleravam perto de TH, não era por se sentir simplesmente intimidado pela presença do alfa, era que TH tinha um poder sobre seu corpo que nada mais tinha, e o fazia reagir de todas as formas.

JK não entrou mais em transe.

***

"Você disse que quinze mil pessoas moram dentro da cidade, mas muita gente vive do lado de fora?", perguntou quando passaram por um conjunto de pequenas casas e alguns animais.

Tempestade de AreiaOnde histórias criam vida. Descubra agora