III

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Nem ele, nem os cavalos viveriam mais que dois dias sem água naquele clima se tentassem cruzar o deserto. Ali onde estava, tinha alguma água e ele não iria sair dali. Constatou, mais que decidiu.

Pediu perdão a JM, em uma prece, sentindo-o tão perto de si que fez escorrer umas lágrimas. Iria apenas esperar por ele. Ele estava vindo a encontro.

Durante dois dias, quando não dormia, permaneceu deitado sob a chuva de estrelas. Não eram apenas as cores que faziam do deserto um lugar estonteante, mas mais ainda o céu, amplo, imenso, carregado de estrelas que o ar seco e rarefeito tornavam visíveis. Estrelas que caíam à noite, cortando velozmente os céus.

Mas era frio...e seco. O peito de JK doía.

Ele acendia o fogo com um feitiço sobre restos de arbusto, não era bom o bastante. Sua magia estava fraca, mas mesmo que não estivesse, ele não podia conjurar água. Sua afinidade com o fogo e com o ar muito maiores e os feitiços que conseguia fazer envolviam quase sempre esses elementos, à diferença de JM, que não encontraria dificuldade para sobreviver ali. Só rejeitaria a solidão. Que por sua vez caía tão bem em JK.

Na noite do silêncio, quando até ele mesmo sumia, o céu se abria e ele via, esfera após esfera, véu após véu, até o infinito.

Na primeira madrugada, bem cedo, uma sombra apareceu na entrada da tenda. Era o lobo. JK se sentou assustado. Era um animal grande. Por um momento precisou forçar a vista para reconhecê-lo.

Logo, seu coração se encheu de alívio, sem acreditar, transbordando pela volta de TH.

Mas o lobo ficou parado ali por alguns segundos e desapareceu.

JK se levantou, procurou em vão ao redor, dando voltas em torno da rocha.

***

TH tinha caminhado muitas horas sem conseguir parar de pensar que tinha deixado JK para morrer.

Talvez vivesse porque era bruxo, pensou. Embora não o tivesse visto fazer nenhum feitiço além dos que fizera contra ele. Ah, e com a ave.

Tentou tantas vezes se justificar acusando seu caráter, a gravidade e a maldade de suas ações, mas o que ele estava fazendo lhe parecia tão quanto. Pior era o lobo, já apegado a JK, completamente agitado dentro de si.

Quando decidiu voltar para resgatá-lo, já sentia um pouco envergonhado de si mesmo.

Toda ética, todo valor que TH tinha para si, ele construira à diferença dos lobos com quem cresceu, admirando sempre e aspirando o seu contrário. Por isso, cobrava de si ser justo e se sentia responsável pelos outros, exatamente como eram seus pais na imaginação.

Talvez JK não conseguisse cruzar o deserto sozinho.

Mesmo assim, não se sentia faltoso o suficiente para não desperdiçar mais um dia dando giros pelas dunas, mal disposto, mal humorado, recusando simplesmente tratar com o bruxo. Quando viu que ele ainda estava lá.

Retornou no outro dia à noite quando ele estava comendo. Em pele de lobo.

O falcão tinha voltado a caçar para JK após a partida de TH. Dessa vez, ele apenas sorriu sarcástico, agradecendo sem dizer a visita, e ofereceu um pedaço de carne para TH, sabendo que ele facilmente conseguiria algo melhor na planície. O lobo rosnou e tentou intimidar JK, antes de ir embora de novo.

No terceiro dia de manhã, TH apareceu em pessoa. Cansado. Cara fechada. Cabelos ondulados crescidos cobrindo os belíssimos olhos riscados.

A raiva tinha passado, mas ainda ele se impressionava com o tanto que JK o afetava. Raramente cedia assim às próprias emoções. Mas só de vê-lo, elas ameaçavam emergir de novo, todas juntas.

Tempestade de AreiaOnde histórias criam vida. Descubra agora