Capítulo 3

81 8 4
                                    

Ainda estava escuro quando Ítalo e Açucena se levantaram, tomaram um café rápido, pegaram suas mochilas com água e lanche, e saíram para a Missão. Não tinham andado muito e escutaram um barulho. Seus corações se aceleraram. Algo ou alguém estava vindo atrás deles. Ítalo puxou Açucena e se esconderam atrás de uma cerca. Foi então que ouviram latidos e apareceu Kalu com o cão.

— Eu vou também — disse o menino.

— Ah, não! Não vai não! — disse a menina. — Você só vai atrapalhar.

Mas o garoto não arredou pé e não conseguiram convencê-lo a ficar.

A madrugada estava silenciosa. Só se ouvia o tap tap de seus pés no cascalho. Eles seguiram pela estrada vazia enquanto deu e depois se embrenharam em uma trilha que seguia perto do córrego, longe da vista de possíveis olhares curiosos.

A certa altura, Açucena disse.

— Aqui a gente atravessa o córrego. Do outro lado já é terreno da Missão.

— E a gente atravessa como? — perguntou Ítalo. — Não tem ponte, nem nada aqui.

— É, a gente atravessa como? — reiterou Kalu, preocupado com Thor que ele trazia preso a uma coleira e corrente.

— Pela água — disse a menina já tirando o seu tênis e meia e entrando no córrego. — é raso.

Ítalo não viu outra opção senão fazer o mesmo. Kalu então também tirou seu tênis e puxou o cachorro que não viu problema nenhum em entrar na água fria.

Já do outro lado eles voltaram a calçar seus tênis, Thor se balançou jogando respingos neles que correram do cachorro. O lugar ficava nos fundos do Centrinho, parte do hospital da Missão, onde no passado eram internadas as crianças indígenas com desnutrição, mas atualmente vazio.

As crianças seguiram e chegaram na estrada que corta a Missão em direção à cidade.

— Nossa! Já estamos na Missão! — exclamou Ítalo para Açucena. — E não é que você sabia mesmo o caminho!

Açucena balançou a cabeça desanimada. Ítalo era um caso sério.

Foram pela estrada até chegarem ao portão da Missão por onde entraram e continuaram pelo campo de futebol. O dia já estava claro, mas a grama ainda estava molhada de orvalho. Logo estavam diante da pequena reserva com suas árvores centenárias. Não hesitaram em entrar no emaranhado de troncos, galhos, folhas e cipós.

— Bom, aqui é o bosquinho — disse açucena. — O resto agora é com você, Ítalo. 

— Eu sei. E não podemos demorar. Vamos. — A intenção era encontrar logo a planta e voltar por onde tinham vindo.

Seguiram pelo caminho que conduzia ao interior da mata. Apesar de pequeno, o Bosquinho era um lugar muito lindo. As árvores se uniam e se entrelaçavam, os pássaros e insetos faziam um intenso barulho. As crianças ouviram o grito de araras.

— Tem muito lixo aqui — disse açucena indicando sacolas plásticas, restos de folhas de cadernos, saquinhos de gelinho e outras coisas.

— Olha — disse Kalu —, tem até um guarda-roupa velho.

Açucena e Ítalo se viraram para onde o menino olhava. E não é que tinha mesmo um guarda-roupa velho ali, encostado em uma grossa peroba? Thor começou a latir imediatamente e entrou pela porta semiaberta do móvel, desaparecendo em seguida.

— Thor! Venha aqui! — gritou Kalu indo atrás do animal.

— Kalu, não entra aí não, pode ter cobras! — gritou Açucena para o irmãozinho. Mas ele também tinha sumido. — Eu sabia que ele não devia ter vindo — ela completou para Ítalo que deu de ombros.

Ítalo e Açucena chamaram Kalu e o cachorro por instantes. Mas eles não retornaram. Um silencio se instaurou dentro do guarda-roupa.

— Bebês! — Açucena disse com raiva. — Só sabem aprontar. Deus me livre se tem um bicho aí dentro que morde, pica, ou que seja venenoso. Saí daí, Kalu!

O garoto não respondeu. Também não havia sinais do cachorro. Açucena começou a se preocupar com o irmãozinho e resolveu abrir a porta para tirá-lo de lá à força. Entrou no guarda-roupa e Ítalo viu a porta se fechar após ela. Um novo silêncio se instalou. Ele ficou imaginando como cabiam todos ali. O guarda-roupa não era tão grande assim.

O garoto aguardou um pouco. Depois entendeu que os irmãos estavam aprontando com ele e que não sairiam. só para o assustar. Mas ele não estava assustado, só tinha pressa. Então abriu a porta do guarda-roupa. Caíram duas bolinhas de naftalina no solo coberto de folhas, mas Ítalo não percebeu. O que ele viu, sim, o assustou. Não havia ninguém ali. Com exceção de umas roupas tecidas a partir de algodão grosso e de peles de animais penduradas ali, o guarda-roupa estava vazio.


><><><

O último valeOnde histórias criam vida. Descubra agora