Capítulo 1

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Sob o luar prateado, nossa pele reluz como joias. Mergulhar nu nas gélidas águas do Lago Norte após a dança do Halloween é uma tradição da Academia U.A, embora muitos alunos não tenham coragem de honrá-la. Três anos atrás, fui o primeiro calouro não apenas a pular, mas também a ficar debaixo d'água por tanto tempo a ponto de acharem que tinha me afogado - o que eu não pretendia fazer.

Pulei porque podia, porque me sentia entendiado, porque uma aluna do último ano havia tirado uma onda com a minha cara por causa da patética fantasia que usava, comprada naquelas lojas baratas, e eu queria provar que era melhor do que ela. Fui nadando até o fundo, empurrando e deixando para trás tufos de musgos e algas, e permaneci lá. Afundei os dedos nos lodos macios que se desfaziam, até que meus pulmões se contorcerem e convulsionarem, porque, mesmo com a água congelante cortante como facas, não havia som. Uma sensação de paz me inundou. Era como estar encasulado em segurança em um espesso bloco de gelo, protegido do mundo. Poderia ter permanecido lá se quisesse, mas meu corpo não permitiu. No momento em que irrompi na superfície, veteranos gritaram meu nome e me passaram uma garrafa de champanhe choca, mas dispersamos quando a polícia do campus entrou em cena. Essa foi a minha "chegada" oficial à Academia U.A. A primeira vez que me afastava de casa. Eu não era ninguém, mas estava determinado a me redefinir por completo e virar um garoto da Academia U.A; portanto, tão logo dei aquele mergulho, soube exatamente que tipo de garoto eu seria. Do tipo que pula primeiro e fica debaixo d'água dez segundos além da conta.

Agora, somos os veteranos, e nenhum aluno do primeiro ano se atreveu a vir com a gente.

Meu melhor amigo, Denki Kaminari, está correndo na frente, o corpo esguio de estrela das corridas cortando o ar noturno com tanta rapidez que o restante de nós não consegue acompanhá-lo. Normalmente nos despiríamos debaixo dos arbustos espinhentos que ladeiam o lago perto dos dormitórios da Henderson, nosso ponto de encontro tradicional depois que nos preparamos para o jogo em nossos quartos e saímos juntos aos tropeços pelo gramado, ainda fantasiados. Mas Denki foi chamado antecipadamente por Kirishima nesta noite e está com a corda toda. Exigiu que nos encontrássemos com ele às 23h50, dando-nos apenas o tempo entre a dança e o mergulho para nós livrar de objetos de valor, pegar o máximo possível de bebidas e lidar com os dramas de nossas caras-metades. Então nos encontrou na beirada do gramado, trajando apenas um robe de banho, um largo e animado sorriso no rosto, as bochechas ruborizadas e o hálito quente e doce causado pela sidra forte. Ele deixou cair o robe e disse:

- Eu desafio vocês.

Izuku Midoriya corre logo na minha frente, pressionando as mãos sobre a boca para conter a risada. Ainda está com um par de asas de anjo agitando-se atrás dele, e os longos cabelos esverdeados contorcem-se ao vento. O restante de nosso grupo segue atrás. Neito Monoma tropeça na raiz de uma árvore, quase causando um engavetamento. Katsuki Bakugou para de correr e cai no chão, rachando o bico. Vou andando mais devagar, com um largo sorriso no rosto, mesmo que o ar congelante deixe minha pele toda arrepiada. Ainda sinto um tremor por causa do mergulho gélido, mas minha parte predileta agora é ficar aninhado com o Denki debaixo de uma montanha de cobertores, rindo disso depois.

Estou prestes a realizar minha corrida final, cruzando o trecho de musgo morto que se estende da saída de emergência da Henderson até a beira do lago, quando ouço Denki gritar. Izuku para com tudo e passo por ele aos empurrões, seguindo na direção do som de respingos de água frenéticos. O som da voz histérica de Denki se torna mais e mais agudo, repetindo meu nome sem parar, cada vez mais rápido. Vou passando afoitamente pelos arbusto, os espinhos entalhando faixas brancas e vermelhas em minha pele, seguro nas mãos de meu amigo e o arrasto para fora do lago.

- Hitoshi - diz ele em meu pescoço, a voz um sussurro, e o corpo gotejante treme violentamente, os dentes batem uns nos outros e vibram. Meu coração espanca minhas costelas enquanto olho para ele, examinando-o em busca de cortes ou sangue. Seus densos cabelos loiros, ensopados, colam-se no crânio; a pele branca e macia, ao contrário da minha, está imaculada.

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