T R Ê S

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• V A L E N T I N A •


DECEPÇÃO É O TIPO de sentimento humano que causa duas reações distintas: você se ergue e aprende a lidar com ela ou se entrega sem se importar com os malefícios que irá te causar. É até injusto e um pouco irônico ter que superar tudo para ser feliz — ou pelo menos tentar.

Será que era mais fácil para quem causava?

Eu tinha quase certeza que sim, levando em consideração Alma Montero, minha mãe.

Dizer que havia me decepcionado a vida inteira com ela era até pouco, perto de tudo que vivi ao seu lado sendo sua filha. Ser alvo de sua falta de amor me doeu por bastante tempo, mas depois fez com que eu procurasse esse sentimento em outras coisas, outras pessoas, mudando totalmente a forma com que eu enxergava minha vida e a enxergava.

A mulher soberba, fria e indiferente clamufava suas mágoas e descontava suas frustações em mim, como se a culpa fosse minha.

Será que era?, me perguntei inúmeras vezes, durante boa parte da minha vida.

Mas hoje eu sabia a resposta: não era. No entanto, nunca tive coragem suficiente para perguntar para ela. Fingir que essa resposta não existia tornava tudo ainda menos complicado.

A ironia de tudo isso era que, por mais insano que parecesse, nunca deixei de nutrir um sentimento bom por ela, afinal Alma era minha mãe e não seria se não tivesse um motivo plausível para isso.

É o que eu acho.

Enquanto penso, vejo-a observando os quadros da galeria, completamente hipnotizada. Suas mãos grandes, de dedos finos e unhas vermelhas passeiam sobre as telas, como se ela sentisse o que a pintura trasmitia, como se elas falassem.

Da mesma forma que eu ficava.

Pelo menos tínhamos algo em comum, além de nosso amor incondicional por Celina: a paixão pela arte.

Talvez essa fosse a única semelhança que me fazia crer que o mesmo sangue que corria em suas veias corria na minha.

— Não esperava pela senhora. — Digo surpresa, e ela rapidamente abaixa as mãos, como se tivesse sido flagrada cometendo um crime.

Seu corpo magro e elegante se vira e encontro seus olhos. Um tom de mel misturado ao azul, exatamente como os olhos da minha irmã. Os cabelos estão curtos, na altura dos ombros, tingidos num tom claro de castanho.

— Foi uma coincidência. Estava passando aqui perto e resolvi parar. — Explica.

Nas poucas vezes que vinha e dizia isso, eu sonhava, lá no canto mais escondido do meu coração, que ela dissesse que havia vindo para me ver.

Mas ela jamais admitiria isso. Ela jamais faria nada por mim.

Nunca.

— Gostou dos quadros? — Pergunto, afastando meus pensamentos carentes e tentando me aproximar.

Sempre foi assim. Eu sempre buscando usar algo em comum para tentar compreendê-la.

— Sim. São ótimos. Passam uma sensação de paz de espírito. — Diz, voltando a encarar as telas.

Quando decidi seguir carreira no mundo da arte, Alma ficou surpresa e arrisco dizer que até feliz, mas ela não demonstrou em momento algum.

Celina também me encorajou, mesmo não sendo tão fã de arte e desse mundo colorido, cheio de palavras e sentimentos não ditos. Na verdade, ela nunca escolheu uma carreira, nem sequer um sonho. Sempre ficava na retaguarda, no pedestal dos desejos e planos de nossa mãe, protegida do mundo pelas suas asas protetoras.

SENTIDO DO AMOR - Série AMORES PARADISÍACOS Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora